A coluna vem acompanhando uma mudança surpreendente em um mercado de trabalho que está muito longe do pleno emprego: o grande número de pedidos de demissão voluntária.
Na segunda-feira (9), microdados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) de março apontaram um número recorde: 603 mil desligamentos espontâneos, superando máximos anteriores de janeiro e fevereiro. Diante das 1,8 milhão de demissões totais, já representa uma a cada três saídas.
No primeiro trimestre, já são 1,7 milhão de brasileiros que desistiram de seus empregos formais. Em um país com 12 milhões de pessoas buscando emprego, muitas vezes sem encontrar, é impressionante. André Vicente, presidente da Adecco no Brasil, confirmou à coluna que o assunto já provoca inquietação no comando de grandes empresas, especialmente multinacionais.
— A pandemia revolucionou a forma como se enxerga a vida e, portanto, como se olha o mercado de trabalho. Em posições gerenciais, de diretoria, em cargos sêniores, a great resignation (grande desistência, fenômeno que começou nos Estados Unidos no ano passado) está acontecendo no Brasil. As pessoas se questionam muito sobre seu propósito, se estão ou não fazendo o que querem, não mais só do ponto de vista profissional, mas também pessoal. Isso ocorreu com um grande amigo, que tomou a decisão de sair porque queria ressignificar a vida. É algo que se passa lá fora, nos EUA e na Europa, mas está chegando ao Brasil em outra onda — diagnostica.
A Adecco RH é uma empresa suíça de gestão de recursos humanos fundada em 1996 a partir da fusão entre a francesa Ecco e a suíça Adia Interim, que atua em 60 países e presta serviços a cerca de cem mil empresas. Vicente é português, comanda os negócios no Brasil e esteve no Estado há poucos dias. Aqui, disse ter recebido o relato de uma grande empresa que atua no Rio Grande do Sul preocupada porque nunca havia recebido pedido de demissões de estagiários e trainees, mas agora isso passou a ocorrer.
— Nessa etapa, muitos ainda não têm tantas obrigações financeiras e podem pensar sobre a vida. A pandemia alterou muito as expectativas por parte de empregados e de empregadores. A questão salarial segue como a mais importante, mas hoje a forma de trabalho — presencial, híbrido ou remoto —, e a saúde mental importam muito mais. Na nossa experiência, 30% das pessoas que chegam à fase final de seleção perguntam sobre a forma de trabalho e 42% dessa fatia tomam a decisão de não avançar por comprometimento da qualidade de vida.
Vicente disse que a Adecco tem boas expectativas para o Estado do ponto de vista do mercado de recrutamento, tanto que planeja ampliar a equipe local nos próximos anos:
— Os dados mostram que o Rio Grande do Sul, sobretudo nos últimos seis meses, teve retomada mais rápida do mercado de trabalho. Um dos motivos é que a indústria gaúcha é motor de alguns segmentos, como aço e tecnologia. Além disso, a necessidade de tecnologia se acelerou, e há ótimos polos tecnológicos gaúchos, que são produtores e exportadores de talentos. Com tanta necessidade de programadores e desenvolvedores de software, o mercado gaúcho é fortíssimo. E esse é um segmento em que existe grande desequilíbrio, há muito pouca oferta para uma grande demanda.