Quando a coluna registrou pedidos inusitados de altos executivos para trocar de empresa, como carro blindado e ioga, indagou se havia algum sinal no Brasil do que nos Estados Unidos está sendo chamado de "great resignation" ou "big quit", uma onda de pedidos voluntários de demissão. Havia sinais, mas ainda discretos.
Agora, já não são tão discretos assim: a pesquisa do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) apresentada na terça-feira (29), apontou 560.272 pedidos de demissão voluntária. O número superou os 544.541 de janeiro, que já havia sido o mais alto em oito anos.
Então, só no primeiro bimestre, 1,1 milhão de brasileiros desistiram de seus empregos formais. Como o total de vínculos da CLT no país foi de 41.157.217 em fevereiro, significa 2,7% do total. É uma proporção pequena, mas o nível de desistência ficou muito acima da média dos meses anteriores. Até julho de 2021, não havia passado de 500 mil e, desde então, vem cruzando essa barreira, com exceção de dezembro. Nos EUA, a média de saídas espontânea do emprego foi muito maior em 2021: 3,98 milhões ao mês.
É difícil de entender. Se os americanos vivem pleno emprego, para os brasileiros a busca por uma ocupação continua sendo penosa, o que pesa nos índices recordes de criação de pequenas empresas. A chamada "grande desistência" é relacionada à adoção de modelos alternativos durante a pandemia, como home office ou esquema híbrido. Com a retomada do trabalho presencial, os insatisfeitos com essa mudança tentam preservar a flexibilidade perdida, mudando de emprego ou abrindo negócios próprios.
Levantamento feito em janeiro pela Korn Ferry, empresa global de consultoria organizacional, apontou que 38% dos profissionais já haviam deixado ou planejavam deixar os empregos mesmo sem ter outro em vista. Os principais motivos da desistência eram a cultura da empresa (32%) e os maus chefes (28%). Na época, Marcio Gropillo, líder da área de Recrutamento Profissional da Korn Ferry no Brasil, já apontava a chegada do "big quit" ao Brasil.
Segundo Gropillo, o fenômeno também ocorre no Brasil. Um dos motivos é o fato de as pessoas não se identificarem mais com o propósito, ou seja, com o sentido de seu trabalho em uma determinada empresa. Pondera que isso fez muitos profissionais buscarem outros caminhos, empreendendo ou até mudando de atividade. Claro, é para uma faixa da força de trabalho que tem alguma reserva e, acima de tudo, alternativa de geração de renda.