O envio da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2023 para o Congresso, na quinta-feira (14), fechou uma conta redonda, mas cheia de arestas para o Brasil: uma década de resultados negativos nas contas públicas da União.
O projeto, que é uma espécie de receita do orçamento do próximo ano — tem ingredientes e modo de fazer, mas é ainda um esboço do prato — prevê rombo de R$ 65,9 bilhões.
Os detalhes do projeto só devem ser conhecidos na segunda-feira (18), porque uma apresentação detalhada foi cancelada, na quinta-feira (14). Mas o Ministério da Economia confirmou os grandes números, como a projeção do déficit primário e a proposta de salário mínimo de R$ 1.294 para o próximo ano.
O que uma década no vermelho significa? Que o país aumentou muito sua dívida pública. Em um cálculo tosco, que apenas considera o valor acumulado dos rombos de 2014 a 2023, sem juro nem atualização pela inflação, o salto é de R$ 1,7 trilhão — essa casa de cifrões reservada a PIB de países e valor de mercado de big techs.
Se o cálculo é tosco, por que fazer? O tamanho efetivo do aumento na dívida é muito maior, mas esse número é simples de verificar e ajuda a dar uma ideia do tamanho do estrago de uma década no vermelho.
Por que é maior ainda? Essa projeção é apenas para o chamado "resultado primário", ou seja, não considera o pagamento dos juros da dívida. Se a dívida cresce, obviamente aumenta o custo de sua rolagem, que disparou também com a elevação do juro básico de 2% para 11,75% ao ano.
Por que foi tão alto? O ano do surgimento da pandemia no Brasil, 2020, foi responsável por quase metade dessa cifra trilionária: os gastos sem cobertura de receita chegaram a R$ 849,5 bilhões. Mas gastar muito não significa gastar bem. Basta lembrar os desvios do auxílio emergencial, além de vários outros, para entender que o país poderia ter ajudado a quem mais precisou - e ainda precisa - com mais eficiência.
Isso nunca vai acabar? No texto, o governo Bolsonaro prevê mais um buraco de R$ 27,89 bilhões em 2024 e uma "sobrinha" de R$ 33,7 bilhões em 2025. Mas as projeções de superávit costumam se suceder sem confirmação na vida real, anos depois.
Não há solução? Para reduzir a dívida, é preciso fazer o exato oposto do que vem ocorrendo nos últimos 10 anos, ou seja, obter sucessivos superávits primários em vez de déficits. Nesse caso, a "sobra" (entre aspas porque não é sobra de verdade) de cada ano seria usada para reduzir o custo da dívida, fazendo com que ficasse sob controle. Dívida pública não precisa acabar. Basta que seja encolhida a um nível que não signifique ameaça de falta de pagamento, que a faz subir pelo aumento do chamado "prêmio de risco".
Como se faz isso? É o que deveria ser discutido a cada eleição presidencial, #só que não. Mas as palavras mágicas, nesse caso, não são "não gastar", mas "gastar bem". E o que deveria estar, de fato, acima de tudo, é a transparência na prestação de contas das despesas para quem de fato as paga: os contribuintes.
Os sucessivos déficits no orçamento
2014: R$ 35,2 bilhões
2015: R$ 165,4 bilhões
2016: R$ 208,4 bilhões
2017: R$ 156,6 bilhões
2018: R$ 145,2 bilhões
2019: R$ 110,8 bilhões
2020: R$ 849,3 bilhões
2021: R$ 37,9 bilhões
2022: R$ 66,9 bilhões*
2023: R$ 65,9 bilhões**
*projeção para este ano
** proposta para o próximo