Depois da crítica do secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia, Diogo Mac Cord, sobre a postura do governo do Rio Grande do Sul em relação à privatização da Trensurb, o secretário de Parcerias do Piratini, Leonardo Busatto, afirmou que a cautela gaúcha "é uma forma de proteger o Estado de ter de colocar dinheiro no serviço":
— Sobre esse assunto, temos uma expressão interna que é 'não se pode vender um Marea 2004 sem seguro'.
O Marea 2004 seria a Trensurb. O modelo da Fiat ganhou fama de carro que dava muitos problemas de manutenção mesmo antes de ter quase 20 anos, como sugere a brincadeira. Conforme Busatto, o déficit anual da Trensurb, antes da pandemia, estava ao redor de R$ 200 milhões. O secretário estadual não diverge do diagnóstico de Mac Cord. Diz que o governo gaúcho tem a preocupação de que a demanda do transporte intermunicipal sobre trilhos não volte aos níveis de 2019 no próximo ano. Essa é a projeção que baseia a modelagem de privatização da empresa.
— O governo federal quer se livrar de uma bomba. Essa discussão existe há mais de 30 anos. O Estado nunca assumiu porque o transporte público sobre trilhos é deficitário no mundo inteiro e ainda mais no Brasil. Na pandemia, a demanda caiu quase 4o%. Hoje, corresponde a cerca de 58% do que era antes. A visão histórica é de que o governo federal tem mais condições de subsidiar. O governo do Estado é absolutamente a favor de privatizar companhias estatais e não discute que o serviço é de competência estadual. Mas temos responsabilidade com o futuro das finanças do Rio Grande do Sul.
Um dos pontos que retardaram o processo, diz Busatto, foi a constituição de um fundo, com recursos da União, para que o Estado não tenha de bancar desequilíbrios contratuais com dinheiro "dos contribuintes gaúchos". O fundo, nesse caso, seria o seguro do Marea 2004. Do ponto de vista do contribuinte, faz pouca diferença se o recurso terá o carimbo federal ou estadual, porque saia do Tesouro que sair, a origem será a mesma, o seu bolso.
— Até um tempo atrás, o governo federal só se comprometia a aportar R$ 800 milhões para bancar investimentos necessários à operação e o déficit da empresa privada que assumir a Trensurb. Impusemos a condição de criar um fundo para garantir que, em caso de necessidade de aporte de recursos, não seja preciso tirar dinheiro do Tesouro do Estado. Aí criamos o fundo de R$ 200 milhões.
Busatto detalha que esses R$ 800 milhões são a base da modelagem da privatização da Trensurb. É o valor que o governo federal deve oferecer, em leilão, ao agente privado que se dispuser a assumir a empresa. Em uma espécie de lance ao contrário, o vencedor será aquele que oferecer maior desconto sobre essa quantia.
E se o déficit anual da Trensurb é exatamente esse, do que adianta um fundo para durar um ano? Busatto argumenta que há projeção de forte corte de custos com a operação privada, estimado pelos estudos do governo federal em 40%. Outra regra prevista na privatização é a de que, se a demanda ficar até 20% abaixo da referencial, a nova controladora deve assumir o risco.
— Mas se ficar acima, ou aumenta a tarifa, que já está alta, ou põe dinheiro do fundo.
Assim, se a partir de 2023 a demanda ficar 30% abaixo da prevista, o governo do Estado teria de bancar R$ 10 milhões, em números estimados. Em tese, o fundo poderia durar 10 anos.
— Ainda nos preocupamos sobre o que vai acontecer depois disso. E também com o risco de que possa não durar nem cinco anos, dependendo das circunstâncias — afirma Busatto.
Conforme o secretário, o processo está nas mãos dos órgão reguladores, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) e a Agência Reguladora de Serviços Delegados do RS (Agergs). O TCE tem prazo para se manifestar até julho e a agência não tem prazo, mas há negociações para que se pronuncie em ritmo semelhante.
— Todos os que trabalham nesse projeto, embora haja cargos de indicação de agente político, mas não nos pautamos pela questão eleitoral. Mas com um debate sobre privatização de transporte público, com audiência pública no meio da campanha, não se sabe o que pode acontecer. Continuamos trabalhando para levar adiante, mas tem esse ponto de atenção — diz Busatto.