Aderente às táticas do chefe, o ministro da Economia, Paulo Guedes, vem se tornando exímio causador de polêmicas estéreis. O país quer resposta para a disparada do preço dos combustíveis e a volta da inflação de dois dígitos, os verdadeiros legados de seu mandato, e ele entrega o quê? A "selva do silício".
No pandemônio pandêmico em que o Brasil está mergulhado, tal enunciado rende chistes e uma distração da deterioração das perspectivas econômicas para 2022.
Nesta segunda-feira (8), o boletim Focus do Banco Central, que concentra as projeções de consultorias econômicas e instituições financeiras, elevou de 10,25% para 11% a taxa Selic no final de 2022. Ou seja, além de 1,5 ponto percentual de aumento em dezembro, o mercado passou a prever mais uma alta total de 1,75 ponto para o próximo ano.
Enquanto isso, o ministro que não perde oportunidade de renovar suas ameaças de acabar com renúncias fiscais que beneficiam setores da produção nacional – boa parte precisa de fato de uma revisão – agora oferece subsídios amazônicos às maiores e mais lucrativas empresas do planeta, como Tesla, Google e Amazon.
Como o tal Programa de Crescimento Verde do Brasil não impressionou ninguém, Guedes sentiu necessidade de adicionar grandiloquência às ambições do país na COP-26 na sexta-feira passada (5). Ofereceu, até onde se sabe sem ninguém pedir, isenção total de impostos, por 20 anos, a Tesla, Google e Amazon.
As três reportaram em outubro seus resultados do terceiro trimestre. A Tesla teve receita de US$ 13,76 bilhões, lucro líquido de US$ 1 bilhão. A Alphabet, dona do Google, teve receita de US$ 65,12 bilhões e lucro líquido de US$ 18,94 bilhões. A Amazon "decepcionou" com sua receita de US$ 110,81 bilhões, abaixo da esperada, e lucro líquido de US$ 3,2 bilhões – esse sim parece implorar por um subsídio subdesenvolvido.
Imaginemos a reação de Jeff Bezos, que não é mais CEO mas segue no conselho da Amazon, quando se discute, nos Estados Unidos, tributação dos mais ricos. Talvez nem por convicção, mas reputação, ele aceitaria tamanho subsídio de um país que não cuida da maior floresta tropical do mundo e não consegue fazer um programa de renda mínima sem gastar quase o mesmo valor com emendas a deputados? Se imagina que sim, Guedes entende mais de lei da selva do que de selva de silício.
Ao menos em respeito pelas 716.000 empresas quebradas pela pandemia, segundo a Pesquisa Pulso Empresa: Impacto da Covid-19 nas Empresas, do IBGE , Guedes deveria pensar 716 mil vezes antes de falar. Também convém que se explique, como fez com o furo no teto a empresários selecionados, aos 17 setores que mais contratam no país e enfrentam sua oposição a cada nova tentativa de prorrogar ou tornar permanente uma forma de aliviar a tributação sobre a folha de salários. Guedes não quer se perder em ninharias como assegurar o emprego de 3 milhões de brasileiros. É pouco para sua mente brilhante.
Ao deputado Jerônimo Goergen, relator do projeto que prorroga a desoneração da folha de 17 setores, Guedes afirmou que só com o espaço gerado pela PEC dos Precatórios é possível "encaminhar a desoneração". Sem o furo no teto, sustentou o ministro, "não há espaço fiscal".
Quando ainda era uma parede entre o apetite do centrão e o orçamento da União, as infelicidades conceituais de Guedes ainda podiam parecer peças de humor ruim. Agora que esse obstáculo ruiu e o núcleo político que sustenta Jair Bolsonaro perdeu qualquer pudor, inclusive com pressão direta do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sobre o Supremo Tribunal Federal (STF) depois de receber ordem de, pasmem, cumprir a Constituição, perdeu o direito à tolerância sobre suas bizarrices. Não é mais fiador de nada.