Hoje, pessoas negras têm menor dificuldade de comprar maquiagens específicas para a sua pele. Mas não era fácil. Muito antes de a Fenty Beauty, marca da cantora e empresária Rihanna, desembarcar no Brasil com mais de 50 opções de tons de base, uma gaúcha já buscava atender a essa população. A partir de uma dificuldade de sua criadora, Rosane Terragno, a Divas Bllack nasceu em 2016.
Formada em administração hospitalar e apaixonada pelo ramo da beleza, Rosane decidiu mudar os rumos da sua carreira profissional e transformar a paixão em renda: abriu um salão chamado Território da Beleza, no centro de Porto Alegre.
— Sempre fui aquela pessoa que as amigas procuravam pra se maquiar ou fazer penteados para ir a um evento. Algumas me diziam 'tu estás perdendo dinheiro, deverias trabalhar com isso' — detalha.
Por sua posição como administradora, Rosane relata que passava muito tempo fora de casa e longe dos filhos. Esse fator também foi determinante para a empreendedora "virar a chave". Quando abriu o salão, Rosane usava e vendia produtos para cabelo e maquiagem de outras marcas, mas não conseguia atender a todas as clientes.
— A loja estava crescendo, e eu não achava produtos para todos os tons. Alguma cliente ficava sem. Quando eu maquiava, fazia uma misturinha com as bases para alcançar o tom ideal, mas não poderia vender para as clientes — afirma.
Na época, a empreendedora chegou a sondar alguns dos seus fornecedores de maquiagem a possibilidade da criação de uma linha específica para pessoas negras. Ouviu, no entanto, que "não era o momento de segregar as pessoas" criando uma linha específica para esse público.
Apesar da recusa, o incômodo virou estímulo para seu projeto. Durante um curso de maquiagem, Daniela da Mata, consultora e criadora da primeira escola de maquiagem negra do país, a DaMata Makeup, mostrou uma variedade de itens específicos para a pele negra que chamou a atenção de Rosane.
De palestrante, Daniela virou amiga da empreendedora e peça fundamental do novo negócio. Em 2016, nasceu a Divas Bllack. O primeiro passo foi procurar um laboratório especializado no desenvolvimento dos produtos. Daniela acompanhou processo de elaboração.
— Era um sonho, e fui atrás de quem entendia do mercado. A Daniela foi para o laboratório acompanhar o desenvolvimento, pois a concepção de uma base para pele negra é diferente da destinada à pele branca. Criamos vários itens, como paleta de sombras, pó compacto, bronzer. A base foi o produto que demorou mais tempo para ficar pronto, cerca de ano. Por isso, foi o último a entrar no mercado — detalha.
No mercado
Depois de quase dois anos de estudo e desenvolvimento, a marca entrou no mercado em 2018. A própria Rosane começou a fazer a divulgação dos produtos para artistas e blogueiras negras. Ao todo, investiu R$ 200 mil. Para divulgar o projeto, enviava um kit. Entre as clientes famosas da Divas Bllack, está a atriz e apresentadora Taís Araújo.
Na loja da Divas Bllack, no marketplace Shoope, é possível encontrar uma base líquida matte por R$ 15. O pó sai por R$ 25, e uma paleta de sombras é vendida por R$ 105. Uma base líquida vegana da marca Negra Rosa é vendida por R$ 45,90. Em lojas nacionais, uma base da marca de Rihanna, a Fenty Beauty, é vendida a partir de R$ 200.
Investimento para o futuro
Na pandemia, a loja e a marca de Rosane foram duramente afetadas. Além do e-commerce e da loja física, os vendedores parceiros também foram prejudicados. Apesar da ampliação no número de produtos para pessoas negras, Rosane avalia que o mercado ainda "não evolui muito." Conforme pesquisa da Avon em parceria com Google e a consultoria Grimpa, 50% das pessoas no Brasil compram maquiagem para pele negra (pardas e pretas) e 70% dessas ainda estão insatisfeitas com os produtos disponíveis. Entre as principais reclamações, está a falta de variedade de tons das bases.
A percepção de que ainda existe um longo caminho a ser trilhado também está atrelada a uma experiência vivida por Rosane. No ano passado, participou de uma disputa que poderia significar um aporte de recursos. Não foi uma boa experiência, porque viu, mais uma vez, a relevância do projeto ser questionada.
— As pessoas usaram um discurso de que eu estaria querendo segregar o mercado. Pela primeira vez, senti na pele o que outras profissionais negras do segmento enfrentam: o descaso e a indiferença com o projeto por discriminação racial — relembra, com a voz embargada.
Ainda segundo dados do Google, entre janeiro e agosto de 2020, a busca por termos como "maquiagem pela negra" "maquiagem para pele negra" e "maquiagem para pele morena" cresceu 60% em comparação com o mesmo período de 2019.
Rosane não desistiu de buscar investidores. Conta que foi procurada por uma grande rede de varejo, mas não pôde fechar negócio, porque agora só tem, no estoque, produtos com vencimento em janeiro de 2022. Por isso, busca aportes para produzir mais e ampliar a distribuição da marca.
* Colaborou Camila Silva