Enquanto ainda não está definido o futuro da votação que abriu caminho para a privatização da Corsan, segue o debate sobre a conveniência e a necessidade de venda do controle da estatal de água e saneamento.
Depois que a coluna publicou dados de um estudo que circula em bancadas alinhadas ao governo Leite apontando que a Corsan teria os recursos necessários para cumprir a exigência de investimento do Marco Legal do Saneamento, o presidente da companhia, Roberto Barbuti, contestou alguns dos pontos.
O debate é importante porque a impossibilidade de financiar os cerca de R$ 10 bilhões necessários para cumprir as metas aprovadas no Congresso na próxima década foi usada pelo governador Eduardo Leite para justificar a quebra da promessa de não privatizar a Corsan. Segundo Barbuti, algumas das fontes apresentadas no estudo como garantidas não são.
Uma é o pedido de financiamento ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que renderia R$ 1 bilhão ao Estado. Conforme Barbuti, a operação de US$ 200 milhões exige da Corsan uma contrapartida de US$ 100 milhões (cerca de R$ 540 milhões pelo câmbio atual). Além disso, exige aval do governo do Estado que, por sua vez, precisa de aprovação da Secretaria do Tesouro Nacional, no cenário de discussão do acesso do Rio Grande do Sul ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), que procura exatamente reduzir o endividamento do Estado.
Sobre o valor total previsto para as parceiras público-privadas (PPP), de R$ 4 bilhões, Barbuti confirma a análise para realização, mas pondera que ainda estão em fase de modelagem e parte do investimento terá de ser feito pela Corsan. Na PPP da Região Metropolitana, afirma, a estatal tem de desembolsar R$ 280 milhões ao ano. Além disso, o Marco Legal do Saneamento limita a 25% o volume de contratos das estatais com PPPs:
— Temos consultoria contratada, mas não estamos abrindo isso porque não é o tema agora. Agora, a discussão é fazer ou não o plebiscito.
Outro valor que a Corsan relativiza é o da ação de imunidade tributária. Embora admita que os R$ 1,4 bilhão estejam incluídos no balanço, Barbuti afirma que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional reconhece apenas 10% desse valor. Argumenta que não se pode contar com esse valor exato, nem em um prazo definido, porque a disputa judicial ainda tem várias fases pela frente.
— Esse estudo soma bananas com laranjas para chegar a seis abacates — critica Barbuti.
O presidente da estatal ainda confronta a tese de que a capitalização, da forma como o Piratini planeja a desestatização, seria restrita a "empresas abertas com alto grau de governança corporativa", o que excluiria a Corsan. Cita a captação de debêntures, uma das fontes citadas no estudo, como prova do "esforço da nova administração de implementar as medidas", sem as quais, sustenta, as chances de captar esse valor eram "zero".
— Além disso, ter dinheiro não significa transformar em obras. No passado, a Corsan teve cerca de R$ 1,3 bilhão liberados pela Caixa. Depois de vários anos, conseguiu liberar R$ 180 milhões, e agora enfrenta um pedido de devolução de R$ 97 milhões. O problema inclui projetos malfeitos, que não levam em consideração a análise de solo, desapropriações. Em estatais, a regra é licitar e fazer aditivos. O setor privado consegue fazer investimentos em velocidade e valores menores, sem risco de ter de fazer aditivos — acrescenta Barbutti.
Entenda as possíveis origens de recursos para financiar universalização de saneamento citadas no estudo
Fonte Valor
Debêntures R$ 600 milhões
Empréstimos BID R$ 1,1 bilhão
Empréstimo IFC R$ 453 milhões
Novas PPPs R$ 4 bilhões
Ação imunidade* R$ 1,4 bilhões
Geração de caixa** R$ 4 bilhões
Total R$ 11,53 bilhões
(*) Valor proveniente de ação judicial movida contra a União, que já consta no balanço da estatal mas ainda está em em fase de consolidação do cálculo na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. A previsão de recebimento efetivo é 2023.
(**) Valor projetado em 10 anos do lucro obtido em 2020, de R$ 406 milhões, embora o conceito tradicional de "geração de caixa", o Ebitda, seja superior, de R$ 700 milhões.