Ao longo de 2020, a pandemia fez quase dobrar o número de restaurantes do Rio Grande do Sul que recorreram ao iFood para manter a atividade diante das restrições.
João Sabino, diretor de políticas públicas da plataforma, o aumento no Estado foi de 90%, o que significou mais de 10 mil estabelecimentos aderindo a seus serviços. E o percentual dos que reativaram a conexão impressiona: 266%.
Na avaliação que Sabino fez à coluna, o peso dos pedidos por aplicativo no Brasil representa entre 5% e 10% do mercado total. Diz que o maior competidor ainda é o telefone, portanto existe "uma mercado gigantesco para ser alcançado". A marca brasileira hoje só chega a cerca de 1,2 mil cidades entre as cerca de 5,5 mil do Brasil.
Fundado em 2011 por quatro sócios no Brasil, o iFood é alvo de polêmicas que envolvem desde a relação com entregadores, considerada origem de trabalho precário, à cobrança de altas taxas dos restaurantes. Nessa conversa, a coluna indagou de Sabino como a empresa encaminha essas questões. Veja o resultado, em tópicos para facilitar a leitura.
Desempenho na pandemia
"Diferentemente do que talvez o senso comum de que para o iFood a pandemia trouxe só oportunidades, até houve crescimento no volume da plataforma, mas isso é verdade até a página 2. Desde o começo, encaramos menos como oportunidade e mais como responsabilidade. O iFood conecta duas pontas, o restaurante que prepara os pedidos, e o usuário que os faz. Sabíamos que a economia seria chacoalhada e que uma das pontas ficariam desequilibrada. Para muitos restaurantes, o delivery, que era 10% do faturamento, virou 100%. Em São Paulo, cerca de 40% dos restaurantes fecharam, e os outros 60% enfrentam muitas dificuldades."
Relação com entregadores
"Criamos dois fundos solidários. O primeiro, para todo entregador com sintomas de covid ou contaminação comprovada. Eles são automaticamente afastados mas mantêm a remuneração média dos últimos três meses por ao menos 14 dias. O ganho por hora trabalhada é de R$ 23, quatro vezes o valor do salário mínimo, e o por hora logada, que inclui o tempo em que aguarda pedidos, é de R$ 12, o dobro do equivalente ao salário mínimo. Um segundo fundo solidário foi criado para os que são grupo de risco ou moram com pessoas do grupo de risco, com as mesmas regras de remuneração média. O iFood destinou de início R$ 1 milhão para cada fundo. Depois de 11 meses, já foram gastos R$ 100 milhões, também com a distribuição de 600 mil kits com máscaras e álcool geral. Nos locais em que não conseguimos entregar, mandamos um voucher para o entregador comprar por conta própria."
Regulação da entrega
"A nova economia, a economia da tecnologia, é uma realidade no mundo. Cada vez mais pessoas estão com diversas ocupações, não um emprego fixo e trabalhando só para uma empresa. É um caminho sem volta. Por outro lado, o iFood é uma empresa brasileira que tem compromisso com o país, não vai desligar chave aqui e e operar só na Europa e nos EUA. Então, temos o compromisso de participar do debate sobre a regulação da economia digital. Apoiamos a regulação, não somos contra, desde que seja boa para todos os lados. Fizemos pesquisas por institutos diferentes, Ibope, Locomotiva, Travessia, e entre 70% e 80% dos entregadores disseram que não querem ser regulados pela CLT. Preferem a liberdade de trabalhar na hora que quiserem. Isso ocorre com vários outros serviços, do Uber ao marido de aluguel do GetNinjas. Então, não posso aceitar um projeto de lei que queira celetizar os entregadores. Isso não é dizer que a CLT é boa ou ruim, mas é um modelo que não serve para essa nova categoria que surgiu. Vamos discutir novo modelo."
Comportamento no trânsito
"Temos dois modelos de serviço, para restaurantes com e sem logística própria. Até há dois anos, só atendíamos aos que tinham logística própria. Então, mesmo que o entregador tenha a caixinha vermelha do iFood, que se compra em qualquer lugar, pode ser ligado a um restaurante ou a outras plataformas. Temos um programa de educação para o trânsito no aplicativo, com cursos de direção segura e, em convênio com o Sesi, oferecemos cursos de direção defensiva. Sabemos que há repercussão negativa de más práticas, não é legal, vamos trabalhar mais para mudar esse comportamento, dá para melhorar. Temos um seguro acidente que cobre até um período após a última entrega, para que o entregador fique coberto até chegar em casa."
Taxas elevadas
"Temos responsabilidade para com os restaurantes. Desde o início, reduzimos as taxas cobradas em 20%. Na média, cobramos 10%, mas depende do serviço que contrata. Quando inclui a entrega, é maior. Mas tem menores, para restaurantes mais estruturados, com mais experiência. Para muitos, o iFood fornece desde as embalagens até a maquininha de cartão. Outros precisam do iFood para gerar fluxo, fazer promoção. Durante a pandemia, teve muita gente abrindo restaurante sem ter qualquer experiência. Como seria sem o iFood? Teria de imprimir folhetos, comprar embalagem, ter carro para entregar. Quando chegam ao iFood, só preciso do alvará da vigilância sanitária, do resto a gente cuida. Vendemos embalagem apropriada ao comida que cada um faz, oferecemos meios de pagamento. Aí a taxa é mais alta. Recebemos com diálogo essa narrativa de que vamos "extorquir". Normalmente, quando o cliente pagar com cartão, o restaurante recebe em 28 dias. Nós reduzimos para sete dias, com recursos do iFood em convênio com Itaú e Ticket. Isso injetou na economia, até o momento, R$ 5 bilhões. Isso melhorou o fluxo de caixa dos estabelecimentos."
Boia de salvação
"A pandemia acelerou uma cultura do iFood, que é a digitalização. Somos muito digitais e levamos para os restaurantes a digitalização em velocidade. Em, 2020, avançamos cinco anos em um. Temos um ecossistema digital para restaurantes. O micro e pequeno empreendedor consegue entrar nesse mercado do dia para a noite. O grande propósito é poder dar educação em tecnologia com transformação social no país. Queremos ver o desenvolvimento desses talentos, esse potencial latente. Já que o delivery virou a boia de salvação, queremos levar para todo mundo."
Pós-pandemia
"Quando normalizar, não vai voltar ao que era antes. Antes, o iFood tinha perfil de funcionar duas vezes ao dia, no almoço e no jantar. Agora, os pedidos de café da manhã, por exemplo, cresceram 217%. E dá para agendar, para não ficar esperando. O lanche da madrugada aumento 116%. A frequência aumentou e os tíquetes passaram a ser mais altos, para a família toda. É uma mudança que não vai mudar, muito mais gente vai seguir trabalhando em home office."