Os bancos tentaram adiar a implantação do Pix, sistema de pagamentos instantâneos do Banco Central (BC), que estreia na terça-feira (3), ainda em forma restrita. Cláudio Guimarães Júnior é diretor-executivo da Associação Brasileira de Bancos (ABBC), entidade que representa bancos, mas também fintechs, grandes interessadas nessa abertura de mercado. Admite a resistência, avaliando que a novidade "tira os bancos da zona de conforto". Na associação, é obrigado a conciliar a postura mais reativa à dos que veem o novo sistema como oportunidade. Afirma que, além do Pix, o open banking (saiba mais no final da entrevista), com implantação final prevista para outubro de 2021, deve facilitar a vida dos usuários do sistema financeiro, com custo menor e mais concorrência.
Houve resistência dos bancos na adoção do Pix?
Isso é comum. Se tem um negócio do qual alguém é o único fornecedor, quer manter essa situação pelo maior tempo que puder. No caso da ABBC, vários associados já nasceram digitais, hoje alguns têm 30 milhões de clientes, com respostas a esse desafio. Na ABBC, apoiamos muito Pix e open banking. As duas iniciativas tiram os bancos da zona de conforto. Como seres humanos, temos tendência de fazer hoje o mesmo que fizemos ontem. Mas agora, fazer diferente é mais barato e mais inclusivo. Vai reduzir o custo Brasil. Vamos ficar mais competitivos. Será bom para a empresa e bom para cidadão. Vai baixar custos e aumentar a competição.
As duas iniciativas vão mesmo abrir o mercado?
São dois projetos estratégicos do BC iniciados ainda na gestão de Ilan Goldfajn (governo Temer). Tanto Pix quanto open banking atendem a três princípios básicos: inclusão com cidadania financeira, aumento da competição e desconcentração de mercado. Com a covid, vimos que existem 62 milhões de brasileiros à margem do sistema financeiro. Com o auxílio emergencial, muitos passaram a ter o primeiro contato com o mercado financeiro. Esse é um dos motivos pelos quais não se deve ter medo do avanço.
Os cinco maiores bancos têm entre 80% e 90% dos recursos do sistema. Para reduzir essa concentração, é preciso dar mais opções aos cidadãos.
Mas de fato haverá aumento da competicão?
Sim, e isso é muito importante para o mercado financeiro brasileiro. Que nosso sistema bancário é concentrado, a gente sabe. Temos hoje muito menos bancos do que antes do Plano Real. Ocorreram fusões e aquisições, e o mercado acabou muito concentrado nas maiores instituições. Os cinco maiores bancos têm entre 80% e 90% dos recursos do sistema. Para reduzir essa concentração, é preciso dar mais opções aos cidadãos. Já houve avanços. No cartão de crédito, até há pouco tempo havia duas opções, hoje existem sete ou oito. O surgimento de plataformas de investimento também permitiu grandes avanços na ponta de captação.
Os bancos vão tentar recuperar a receita perdida com o Pix, um temor dos clientes?
Os bancos vão perder receita. Mas é preciso considerar que o Pix é só mais um meio de pagamento. É destinado a transferências ou ao pagamento de pequenas compras. Pela experiência de países que adotaram antes, como China, Austrália e Suécia, o cartão de crédito sofreu pouco. O de débito perdeu espaço, mas não vai sumir. O Pix é mais um meio, não quer dizer que tudo vai para o novo sistema. Ainda há desafios. É mais barato, mas não elimina outras existentes.
Essa competição é fundamental para reduzir a concentração e baixar o custo.
Há risco de aumento de tarifas bancárias?
Não acredito, até porque vai aumentar qual tarifa? A do talão de cheques? O consumo de cheques cai entre 10% e 15% nos últimos quatro anos. Há outros meios mais adequados à realidade atual. O Pix é mais um. Vão surgir novos. O crédito imobiliário está crescendo mais de 40% este ano no Brasil. Com o open banking, há potencial para para crescer em seguridade. Hoje, o cliente só recebe ofertas do seu banco. Com o open banking, vai dizer quais bancos podem fazer oferta ativa de seguros, previdência, crédito imobiliário. Essa competição é fundamental para reduzir a concentração e baixar o custo. O BC está sendo certeiro nessa estratégia.
A combinação de Pix e open banking vai mesmo sacudir o mercado bancário?
Com a experiência de 38 anos no setor, e tendo acompanhado a implantação do Sistema Brasileiro de Pagamentos (SBP, modernizado em 2002 para integrar movimentações financeiras de forma eletrônica), posso dizer que, a partir de 2022, o mercado será mais competitivo e mais inclusivo. O open banking define que o cadastro é da pessoa, não da instituição, e permite compartilhar o nosso cadastro com as instituições que quisermos. Então, cada banco ou fintech vai querer te seduzir e prestar melhores serviços a preços mais baixos. Será uma nova realidade, um enorme salto. O Brasil vai voltar para a fronteira da inovação no mercado financeiro. A diferença entre o SBP e o SPI é que o mercado, hoje, funciona de 6h às 18h, e à noite ocorrem as compensações. Com o Pix e o SPI, o mercado passa a funcionar em 24/7. Se quiser pagar boleto na hora do Fantástico, isso vai acontecer no mesmo instante, por um custo de um décimo de centavo. A cada 10 transações, custa R$ 0,01. É muito barato, é um enorme avanço. Nosso sistema financeiro é superinformatizado, agora será mais digitalizado. O serviço vai melhorar, os preços vão cair, e os bancos vão estar ao serviço do cidadão.
Fraude sempre teve, é uma luta constante, mas os bancos estão dedicando de 10% a 15% do orçamento para cibersegurança.
Como dar segurança ao Pix, desde o temor de fraudes até o de que o celular vai virar "cofre ambulante"?
Durante a pandemia, houve golpes à beça, com clonagem de Whatsapp e outras fraudes. ABBC e Febraban têm se reunido para discutir cibersegurança. Sem Pix, pelo WhatsApp, pela internet. Fizemos uma campanha, elaboramos uma cartilha para que as pessoas não caiam no phishing (fraude cometida, geralmente por envio de e-mails ou links, para obter dados pessoais do usuário). Tem muito chupa-cabra na internet. Em novembro, vamos fazer uma Semana da Educação Financeira, com o BC, para informar como não cair no phishing. Os golpes que houve durante o cadastro de chaves do Pix não foram no sistema, foram phishing. Fraude sempre teve, é uma luta constante, mas os bancos estão dedicando de 10% a 15% do orçamento para cibersegurança. Tem muita lenda. E uma segurança é o limite para saque em caixa eletrônico, que diminui no final de semana (adotado para reduzir os sequestros-relâmpago). É estabelecido pelo banco. Com o Pix, vai ser igual. Se alguém quiser roubar R$ 50 mil, não vai poder. Transações acima de determinado valor serão pactuadas com as instituições para a segurança dos usuários.
O que é open banking
Novo ambiente de operações que parte do princípio de que dados bancários pertencem aos clientes, não às instituições. É com base nessas informações que os definem a relação com os clientes. O Banco Central vai exigir que os bancos cedam esses dados sem qualquer custo quando o cliente autorizar. O objetivo é permitir que as pessoas busquem a melhor oferta do mercado para taxas de juro e condições de planos de previdência, por exemplo. Será implantado por meio da tecnologia chamada "interface de programação de aplicativos", conhecida pela sigla em inglês API.
O calendário do open banking
30 de novembro: começa a implantação do sistema, com conclusão prevista para 25 de outubro de 2021. A partir dessa data, bancos serão obrigados a compartilhar apenas informações sobre canais de atendimento e conta corrente, desde que seja autorizado pelo cliente.
31 de maio de 2021: início do compartilhamento de dados de cadastro e permissão para fechar transações com clientes com base nos dados de outra instituição.
30 de agosto de 2021: início do compartilhamento de serviços de iniciação de pagamentos e permissão para encaminhamento de propostas de operações de crédito.
25 de outubro de 2021: fase final, com compartilhamento de operações de câmbio, investimentos, seguros e previdência.