Enquanto se teme uma onda de falência de empresas provocada pela pandemia de coronavírus, um polêmico projeto está pronto para ser apreciado na Câmara dos Deputados com mudanças nas regras. O objetivo do PL 1397/20 evitar a quebra em cascata de negócios por perda de faturamento no período de crise, o que seria recomendável, dada a situação excepcional. Mas especialistas que já se debruçaram sobre o tema fazem ponderações a aspectos específicos.
Rodrigo Tellechea, sócio do escritório Souto Correa nas áreas de Insolvência e Direito Societário, vê "alterações pertinentes", como o prazo para recuperação extrajudicial, a redução do quórum para homologação do plano, a possibilidade de ajustes em planos de recuperação judicial já homologados e a elevação do valor mínimo para pedidos de falência por parte de credor. No entanto, vê "chances rarefeitas" de que prospere a criação do negociador e aponta a principal lacuna: não há solução para o principal problema dos processos de recuperação de empresas, que é o financiamento. Segundo Tellechea, são necessárias reformas mais profundas no sistema de insolvência.
Para Liv Machado, sócia do escritório TozziniFreire, faz todo sentido debater certa flexibilização nessas regras, como está ocorrendo em outros países, da Alemanha à Austrália. No entanto, pondera que é preciso um debate mais amplo para que a mudança seja cuidadosa e não traga ainda mais insegurança jurídica. Lembra que havia expectativa de que o projeto nem prosperasse na Câmara, mas vem avançando e está pronto para ser votado.
Entre os pontos mais polêmicos, na avaliação da especialista, estão a suspensão automática das cobrança de dívidas e a liberação de garantias, que elevam os riscos para os credores. Liv relata que os clientes do escritório vêm recebendo noticificações de que o devedor não vai pagar "por conta da crise do coronavírus", sem justificativa específica. Casos de recuperação judicial e falência devem ser discutidos caso a caso, defende, para evitar oportunismo.
Cristiano Kalkmann, sócio da Rebuild Consultoria, tem avaliação mais drástica: considera o projeto simplesmente desnecessário. Sugere que, em vez de criar mais legislação, sejam aperfeiçoados os mecanismos já existentes. Admite que há temor de uma enxurrada de pedidos de RJ, mas diz que as novas regra não beneficiam o contribuinte. Sob a alegação de proteger empresas, sustenta, pode dar ainda mais poder aos bancos, que são os grandes credores.
Veja o que prevê o projeto
- Suspensão, por 60 dias, de ações de execução de pagamentos vencidos depois de 20 de março de 2020, desde que não tenhm sido contratados depois dessa data. A partir da entrada em vigor, caso seja aprovado, não haverá execução de garantias, cobranças de multas, decretação de falência, despejo por falta de pagamento e resolução unilateral de contratos bilaterais
- Nesse período, devedores e os credores deverão buscar negociações extrajudiciais e diretas
- Levantada a suspensão, a empresa que tiver redução de faturamento de 30% ou mais poderá pedir negociação preventiva na Justiça, intermediada por um negociador pago pelo interessado. Caso o pedido seja aceito, as cobranças poderão ser suspensas por mais 60 dias. Nesse caso, a participação os credores é facultativa,
- Nesse período, o devedor pode contratar financiamento para reestruturar a operação sem autorização judicial
- Possibilidade de reapresentação de plano de recuperação judicial ou extrajudicial, mesmo que já exista um em vigor. Nesse caso, o quórum para aprovação seria reduzido de 3/5 dos devedores para maioria simples
- Caso seja ajuizado pedido de recuperação judicial na sequência, o período de suspensão de 60 dias será deduzido do chamado stay period (prazo de 180 dias em que todas as ações e execuções promovidas contra o devedor são suspensas)