Como era previsível, apareceram nos relatórios de início de dia os "episódios do final da semana", como os analistas do mercado financeiro tratam as sucessivas manifestações de conflito com os outros poderes do presidente Jair Bolsonaro. São espécies de radares para investidores operarem ao longo do dia. Se havia dúvidas sobre a disposição de Bolsonaro de apostar no aumento da tensão institucional, a repetição do discurso no último domingo esclareceu que se trata de uma estratégia. O presidente parece disposto a correr o risco de criar o cenário em que a queda do Produto Interno Bruto (PIB) chega a 10%.
Essa projeção apareceu há quase 15 dias em um relatório do banco de origem suíça UBS, assinado pelos economistas Tony Volpon e Fabio Ramos. Na época, os sinais da disposição presidencial para o conflito estavam definidos, mas ainda existia a expectativa de que se encerrassem com a saída de ministros com os quais Bolsonaro se desentendeu.
Agora, o conteúdo ganhou novo significado. Como há elevada incerteza sobre o tamanho do impacto do coronavírus na economia, os economistas traçam três cenários. No primeiro, o PIB cairia 5,5% caso a maioria das atividades volte ao normal até o final de junho. No segundo, seria aprofundada para 7,2% caso a normalização ocorra até o término de agosto. Na terceira, chegaria a 10% se a pandemia não for controlada até meados de 2021. Nesse ponto, os autores fazem uma ponderação: caso a crise política se aprofunde a ponto de provocar efeitos negativos sobre a confiança do investidor, "podemos ver o resultado parecido com o do cenário três mesmo que a pandemia esteja sob controle".
Esse temor foi escancarado, como poucas vezes antes, nos boletins de abertura do dia. O do banco Modalmais, que costuma ser contido em comentários políticos, começa assim:
"O início dessa semana promete ser tenso, complicado e de muita tensão no mundo, e aqui só um pouco pior pelos acontecimentos políticos do final de semana."
O do Travelex Bank detalha:
"Além da tensão entre Washington e Pequim, estrategistas estrangeiros avaliam que três fatores podem corroborar com o viés de queda do índice da B3 (a bolsa de valores brasileiras). Eles são: perda de ímpeto na agenda de reformas, fraqueza econômica e a perspectiva de piora das empresas nacionais. Esse cenário, trazido à tona por uma pesquisa da Agência Bloomberg, expõe a turbulência no que se refere à esfera política, econômica e social do país. (...) Instituições como o JP Morgan afirmam que os riscos políticos devem continuar alto. A COVID-19, as incertezas no que tangenciam os bastidores de Brasília e as respostas políticas equivocadas devem continuar perpetuando turbulências por mais algum tempo."
E o da Terra Investimentos acentua:
"Crise política e cenário externo mais negativo promete dia tenso para o Ibovespa. Como se não bastasse a crise de saúde mundial, que já atingiu, no Brasil, mais de 100 mil infectados, ultrapassando a casa dos 7 mil mortos, a crise política tende a deixar o país mais vulnerável."
Como Bolsonaro cria, aprofunda e acentua a crise política, desafiando e ameaçando os poderes Legislativo e Judiciário, insiste em criar o cenário descrito pelo UBS. Aumenta a incerteza em um momento no qual essa inimiga dos negócios atinge seus níveis mais elevados. Não é à toa que exaspera opositores e um contingente cada vez maior de ex-aliados.
E só para fazer um registro importante: as projeções do UBS para 2020 são dramáticas, mas o banco prevê recuperação rápida. Para 2021, vê alta do PIB de 6,5% (cenário um), 8,3% (cenário dois) e 5,4% (cenário três).