Um economista esteve na origem de dois pontos de inflexão para o Brasil, curiosamente em sentido inverso. José Roberto Afonso foi um dos formuladores da Lei de Responsabilidade Fiscal, um marco para a disciplina nas despesas públicas no Brasil no início dos anos 2000. Duas décadas depois, é um dos colaboradores do chamado "orçamento de guerra", que tentar organizar os gastos para o combate ao impacto do coronavírus na saúde e na economia e deve ser aprovado nesta quarta-feira (15) no Senado, removendo obstáculos para acelerar o desembolso de dinheiro público necessário para enfrentar a pandemia. Por e-mail, o professor do IDP de Brasília, respondeu a questões da coluna:
Como um dos autores da LRF, portanto defensor de ajuste fiscal e do cuidado com as finanças públicas, como vê, neste momento, a necessidade de o governo intervir e usar dinheiro público para atenuar o impacto econômico do coronavírus?
Como no resto do mundo, é uma guerra, e só governo pode a enfrentar. Para agir na emergência, é preciso se endividar. Depois, caberá ajustar contas e reduzir a dívida. Isso é para tempos de paz, posteriormente.
No Brasil, o pós-crise será mais difícil porque o país parte de uma situação fiscal mais frágil?
Sim, mas a crise é uma oportunidade para se encaminhar o ajuste não realizado no passado, mas, de novo, não é esta a hora. Por encaminhar quero dizer, por exemplo, o aumento de endividamento deveria ser concentrado no governo federal. Sou contra Estados e prefeituras se endividarem agora sob risco de agravarem suas finanças já débeis.
O que você vê no pós-crise no mundo? Haverá grandes transformações ou, a exemplo da crise de 2008, os ajustes serão em detalhes, mais do que no atacado?
O mundo já estava mudando radicalmente para uma economia digital e para um novo arranjo de proteção social. O coronavírus só antecipará essa tendência. É preciso levar a economia brasileira para dentro do celular e de casa. É preciso proteger os que perderam o trabalho, e não o emprego, porque nunca tiveram. São problemas estruturais que precisamos resolver junto com a crise.
Por que você defende que empresas reconvertam suas operações para a situação de guerra contra o vírus, passando a produzir respiradores, máscaras?
Porque ajuda a melhorar a saúde e ao mesmo tempo a economia, a produção e a renda.
A Segunda Guerra Mundial tem se tornado referência de economistas para tentar traçar cenários no pós-pandemia. É o que temos de mais equiparável?
Sim, é uma nova e mundial guerra. A ação do governo tem que ser como de guerra, com comando central, com estratégia, com ação coordenada em vários campos.
O governo demorou em colocar em prática medidas de apoio à economia alegando que haveria restrições legais, impostas pela LRF. O que, de fato, estaria sujeito a essas restrições, e o que não está?
LRF não impede de agir emergencialmente. A lei tem várias várias válvulas de escape para situações de crise, e ainda mais em caso de calamidade ou guerra. A maior de todas restrições, teto para se endividar, o governo federal nunca a ela teve submetido, porque nunca se regulamentou esse ponto da LRF.