Um projeto de atração de investimentos para o Paraguai iniciado há quase uma década ganhou efetividade nos últimos quatro anos de gestão de Horacio Cartes, que será substituído em duas semanas, por eleição geral, depois de declinar do direito à reeleição. Mas nem o clima de campanha freia outro integrante do governo paraguaio, Gustavo Leite Gusinky, que convida empresas de todo mundo, com foco no Brasil, a aproveitar o programa que oferece baixos impostos. O discurso de Leite é de, para o Brasil, trata-se de substituir a importação de produtos da Ásia por indústria própria no Paraguai, de preferência com parceiros locais. Nesta quarta-feira (11), Leite estará em Porto Alegre para um jantar fechado a associados do Lide-RS no Porto Alegre Country Club. Nesta entrevista à coluna, o ministro afirma que a proposta que traz é de "ganha-ganha", só quem perde é o exportador asiático.
É fato que uma grande empresa, a Riachuelo, está entre as brasileiras atraídas pelos baixos impostos no Paraguai?
Temos consultas de muitas empresas tão fortes como a Riachuelo, não só do Brasil, do Japão, da Argentina, da Alemanha. Mas é preciso situar. Nos últimos quatro anos e meio, as leis não foram mudadas. Só passamos uma, importante, a de proteção de investimentos. O governo, que é sério, atrai investimento porque as pessoas confiam que não vai mudar as regras do jogo. Também trabalhamos muito no foco. O Paraguai tem quatro vetores para seu desenvolvimento econômico rápido, onde as empresas podem ganhar dinheiro. Um é alimentos para o mundo, o segundo é a fábrica da região. O terceiro é a logística, com hidrovias. Acabamos de abrir o corredor de Ponta-Porã até Concepción. Nossa frota de barcaças de rio cresceu quase 50% nesses quatro anos e vai crescer mais. O quarto é a indústria florestal. Dobramos a quantidade de hectares plantados, que ainda é pequena,
mas não vai passar muito tempo até ter muita indústria florestal no Paraguai.
E a Riachuelo?
(risos) Posso confirmar o convite, eles têm associados, fizeram um projeto-piloto com empresa paraguaia que provou a eles que a mesma roupa trazida da China pode ser feita no Paraguai com melhor custo. Gostaria muito de ouvir essa notícia da boca do Flávio Rocha (presidente da empresa, que deixa o cargo até o final do mês para disputar a Presidência no Brasil). Mas o convite foi feito. Não só a ele, mas à Fiesp, às federações das indústrias do Paraná, do Mato Grosso do Sul, de Santa Catarina, do Rio Grande do Sul, de Minas Gerais. O Brasil é nosso principal parceiro. Se podemos ajudar, tirando o peso do custo da importação da Ásia, dos 90 dias de travessia, dos problemas legais lá, dando uma plataforma no Paraguai, estaríamos muito contentes.
Sete de cada 10 empresas que abrem no Paraguai hoje são brasileiras?
Sete de cada 10 indústrias de exportação. Temos outro tipo de empresa. Agora, finalmente, a ideia de agenda de substituição de importações da Ásia pegou. Não é tirar emprego do Brasil, é tirar do asiático. Fizemos uma agenda ganha-ganha. Tudo o que o Brasil traz da Ásia, que só engorda o exportador asiático, pode ser feito por empresário brasileiro, até com paraguaio, no Paraguai, e o dinheiro volta para o Brasil na forma de dividendos. Quando o Brasil importa da Ásia, não tira nada, só o produto.
No Brasil, há certa polêmica...
(interrompe) Polêmica é polêmica, estatística é estatística. O Brasil ainda importou US$ 40 bilhões da Ásia no ano passado. Tudo isso pode ser feito no Paraguai. Com investidores brasileiros e paraguaios juntos, gostaria muito de continuar com polêmica, mas mostrando os números.
Temos combos. É como no McDonald's, você escolhe 1, 2, 3 ou 4.
Quais são as vantagens que o Paraguai oferece, além da tributação total de 10%?
Temos combos. É como no McDonald's, você escolhe 1, 2, 3 ou 4 (risos). Temos quatro ou cinco fatores muito competitivos. Podemos fazer o que a concorrência faz, com menor custo. A eletricidade é abundante a muito bom preço, mais ou menos a metade do Brasil. A logística é conveniente, estamos a 24 horas de caminhão de São Paulo. É 10% de IVA – o ICMS de vocês –, 10% de imposto corporativo e 10% de imposto de renda máximo para o indivíduo. Temos impostos baixos porque não temos costa, precisamos construir nossa vantagem competitiva. Descobrimos algo que não conhecíamos e agora valorizamos, a produtividade do trabalhador paraguaio. Pagamos um salário mínimo mais alto do que o do Brasil. Com os encargos sociais no Brasil, o Paraguai continua sendo mais vantajoso.
Qual o valor do salário mínimo?
Ao redor de 360 dólares ao mês (R$ 1,2 mil pela cotação atual), e se ajusta, a cada ano, em junho, pela inflação do ano anterior, que normalmente é de 3%. Foi essa a média dos últimos cinco anos.
As condições variam conforme o tipo de empresa?
A condição de 10% de imposto é para todas as empresas. As indústrias de exportação pagam só 1% do valor exportado, é um imposto único. Acaba sendo mais ou menos entre 3% e 7%, se tivesse de pagar sobre renda. É uma receita única sobre a venda.
As condições vale para qualquer tipo de empresa ou são selecionadas as que o governo deseja ver crescer no país?
A lei diz que toda empresa que avalia que vai trazer produto, vai transformar produto no Paraguai com um valor de 40% de conteúdo do Mercosul pode trabalhar nesse regime. Tem uma lei, tem regras. E é só para exportação.
Essa é a Lei da Maquila, vocês têm restrições ao nome?
Não gostamos, porque a maquila começou no México com os Estados Unidos, nos anos 1980. Tampouco desprezamos. Mas na verdade, é um outsourcing competitivo. Gostaríamos de ter uma Lei do Outsourcing Competitivo. Mas tanto faz. As pessoas compreendem o que é. É uma lei de 1999, protocolizada no Mercosul dentro do sistema de drawback (regime especial que elimina tributos sobre importação usada na fabricação de produto exportado).
Essa mão de obra competitiva do Paraguai ainda precisa ser formada?
Treinamos, nos últimos quatro anos e meio, 600 mil jovens. A formação laboral é uma obsessão. Assinamos um acordo com o Ministério Federal da Alemanha para copiar no Paraguai o sistema dual alemão. O primeiro projeto-piloto começou no setor metalmecânico. O estudante, nos últimos três anos de escola, estuda pela manhã e vai trabalhar à tarde, ou vice-versa. É um sistema que deu muita produtividade à Alemanha. Ainda temos assessoria do Senai e da Fiesp, que também vai começar um programa de treinamento focado nos setores em que as empresas brasileiras precisam ganhar competitividade no Paraguai. Então, formação de mão de obra, sim, é uma questão, mas está sendo atendida. Você tem vizinho que é muito competitivo, gosta muito do Brasil e ainda vai trabalhar com o sistema de formação laboral da Alemanha.
Tem fundamento o temor de brasileiros de que seus empregos migrem para o Paraguai?
O país é aberto. Não somos polícia para dizer 'você pode entrar' ou 'você não pode entrar'. Mas a ameaça está na Ásia, não no Paraguai, que é parceiro. Na crise do Brasil, 8 mil empresas fecharam em São Paulo, e 89 foram para o Paraguai. Será que o Paraguai é o problema? O Brasil exporta para o Paraguai cerca de US$ 3 bilhões, e o Paraguai exporta para o Brasil ao redor de US$ 1,5 bilhões. A balança bilateral é vantajosa para Brasil na proporção de 2 a 1. Não temos problema com isso. Não sei porque deveria haver problemas com a camisa que vinha da China seja feita no Paraguai por empresários brasileiros que levam dinheiro dos ganhos para o Brasil. Esse debate é muito politizado, deveríamos olhar os números.
Quantas empresas abriram no Paraguai com esses incentivos?
Ao redor de 110 no setor de exportação. Isso fez passar de US$ 140 milhões para
US$ 700 milhões de exportação. E passamos de 4,5 mil empregados para encerrar neste ano com 17 mil. A indústria de exportação não é nem 10% do total, mas gera muito emprego para as pessoas que ainda não tiveram oportunidade de se capacitar e se formar. O Paraguai investiu muito na formação técnica de cientistas nas melhores universidades do mundo. Compreendemos que a sociedade do conhecimento é a que vai ganhar no futuro, não vamos passar de país pobre a sociedade do conhecimento em cinco anos. Estamos dando os passos dos países que tiveram sucesso, como Cingapura, Coreia do Sul, Taiwan.
Quando o Paraguai passou a crescer, demorou para que os efeitos chegassem à população. Agora começou?
Temos alguns parâmetros internacionais. Uma é a paridade do poder de compra (método de avaliar o poder aquisitivo de uma moeda ante as demais, observado o custo de vida local), que tem crescido 10% ao ano. O desemprego nas principais cidades se mantém em 7,5% há quatro, mas o emprego formal cresceu 4%. Muita gente que era jardineiro pela manhã e garçom à noite, agora conseguiu emprego formal nas empresas. É um indicador significativo. O PIB per capita cresceu 16% nos últimos quatro anos, em média. Também houve um painel independente que aferiu que a pobreza extrema baixou 40% nos últimos quatro anos, de 7 milhões a 4 milhões, e a pobreza total reduziu de 31% a 26% da população. Houve inclusão maior. Ainda estamos longe de vencer a pobreza, mas até as economias mais badaladas do mundo têm pobreza. Nos Estados Unidos, 12%, na Alemanha, 6%. Descemos cinco pontos na pobreza total, é muito significativo.