A inflação medida pelo IPCA, o índice considerado "oficial" no país, por ser referência para o Banco Central, teve alta muito discreta em agosto, abaixo de todas as expectativas, apesar da pressão de alta decorrente do preço dos combustíveis, que subiram 6,67% em agosto. Em 12 meses, a alta acumulada é de 2,46% até agosto, a mais baixa para esse período desde fevereiro de 1999. Apesar dos índices com pouca variação ou até queda, a percepção da população não é de baixa de preços. O economista André Braz, da Fundação Getulio Vargas, que tem experiência como analista de inflação, ajuda a explicar os motivos e chama atenção para alguns recuos no custo de vida.
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Por que as pessoas têm dificuldade de ver a queda da inflação?
O que turva um pouco a percepção é o desemprego. Ainda que os preços de muitos alimentos estejam caindo, são raras as famílias que não sofrem esse efeito. Às vezes um integrante da família perdeu o emprego, e aí o orçamento disponível para dar conta do básico diminuiu. Com essa redução, fica mais difícil sentir a redução nos preços. Mas o recuo dos preços é verídico e está ocorrendo principalmente em itens da cesta básica. A gente vê arroz, feijão, que são básicos para a alimentação do brasileiro, com queda forte, principalmente o feijão que teve queda de quase 60% em 12 meses. O arroz está com queda de 6%. A carne tem aumento, mas abaixo da inflação, não é um aumento real. Então boa parte da despesa do dia a dia ficou mais barata, mas o que atrapalha é isso: não adianta os preços terem caído se você agora tem capacidade menor de comprar.
Quanto do recuo da inflação decorre da recessão?
Na parte de bens e serviços isso é flagrante. Compras financiadas, como as de eletrodomésticos e equipamentos eletrônicos diminuíram. Todos os preços desses itens estão com acumulado negativo, mostrando que a demanda está enfraquecida. Isso está ocorrendo porque, até pouco tempo atrás, a taxa de juros não era atraente e, mesmo que tenha recuado muito agora, as famílias não têm emprego e renda para se endividar e comprar bens duráveis. Os efeitos da recessão ainda são muito fortes sobre a economia. Isso obriga as famílias a rever suas prioridades: lazer fica de lado, consumo de bens duráveis, aqueles bens que, em geral, as famílias parcelam, ficam de lado. Mesmo lazer e serviços em geral a gente consome o mínimo possível, que é exatamente para a gente driblar um pouco esse período de recessão sem muitos impactos.
A inflação também varia conforme o comportamento de consumo de cada família, não é?
Claro, vai depender da configuração da família, se tem idosos ou pessoas mais jovens, com crianças ou uma família de adultos, tudo isso vai influenciar um pouco nas decisões de consumo e da percepção da inflação no momento. Todos os principais itens de consumo familiar, os principais grupos, como alimentação, habitação e vestuário, estão com taxas muito baixas em 12 meses. O único grupo que está com uma taxa mais alta é a educação. O aumento das escolas neste ano foi mais forte do que inflação do ano passado e, como tem peso no orçamento familiar, faz diferença. Dentro do grupo educação, leitura e recreação, o IPC-C1 (índice para famílias com renda de um a 2,5 salários mínimos) em 12 meses está com alta de 6% em 12 meses. Todos os outros mais importantes, como alimentação e habitação, estão com inflação baixa. A inflação da alimentação está negativa em 2,08% e habitação está positiva em 4%, mas mesmo assim é considerado baixo. E essa dificuldade das famílias de perceber está nesse desafio a mais que a recessão traz para o orçamento doméstico. Você tem redução no poder de compra porque alguém da família perdeu o emprego ou o negócio fatura menos. Quem presta serviço pode continuar, mas com certeza tem sentido o efeito da recessão. Quem é do comércio também deve ter sentido a redução de lucro. E quem realmente trabalha em empresas, provavelmente algum membro da família perdeu o emprego, alguma gratificação, ou algo que provocou uma redução na renda. Essa é a sensação mais comum.
Muita gente diz que não percebe redução de preços no supermercado...
(...) A família percebe. A reação de negar é um pouco um desabafo, mas não tem como não perceber a queda dos preços. A memória das pessoas é muito de curto prazo, é verdade, mas, em comparação ao ano passado, um item que custava 50% mais do que hoje é impossível você dizer que custa hoje a mesma coisa. Está custando menos. Mas também é natural perceber tem vários outros que não caíram tanto, mas também não apresentaram um aumento real forte. O leite longa vida, por exemplo, está 30% mais barato em relação a agosto do ano passado. É muita coisa, então fatalmente você percebe isso. Mas como as pessoas também perderam renda, está aí um jogo de soma zero. O que adianta o preço cair se o orçamento para eu comprar é menor? Então a sensaçao é de que a inflação está muito maior do que de fato a gente consegue medir. Se você é advogado, arquiteto, engenheiro, está prestando serviço, tem com certeza menos clientes para atender, ou está pegando coisas modestas, de baixo valor, porque ninguém está investindo na reforma do lar ou em coisas desse tipo. Se você tem comércio, com certeza percebeu a redução do número de clientes.
Esse comportamento melhor da inflação é uma tendência ou não vai durar?
Não, os números mostram que a recessão está cedendo. Já houve produção de veículos bem maior do que em fevereiro, por exemplo. Algumas montadoras vão trabalhar em turnos antes reduzidos. Isso já é uma indicação de que a economia mostra sinais de reação. Mas até reduzir a taxa de desemprego demora um pouco. Não vai ser por agora que as famílias vão perceber uma melhora.
Essa pequena retomada já pode afetar preços?
Muito lentamente. A previsão de inflação para 2018 é de 4%, de um patamar em torno da meta estabelecida para 2018. Isso mostra que a gente acredita, pelo que tem em mãos agora, que a inflação vai continuar controlada, até porque a demanda não vai se aquecer da noite para o dia. A redução da taxa de desemprego é gradual e não vai acontecer repentinamente de um mês para outro, o que provavelmente não vai criar nenhum efeito na inflação.