Foram tantas idas e vindas, adiamentos e antecipações, sinais e desmentidos, que, mais do que um governo quebrado, saiu da revisão da meta de déficit primário um governo fraturado. A divisão clara entre o núcleo político e a equipe econômica corroeu o maior trunfo da gestão Temer – o time de especialistas supostamente descolado dos hábitos brasilienses.
O desconforto do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, era visível no anúncio. Teve de desligar o celular, que tocou exatamente no momento do início do discurso, já atrasado mais de uma hora. Formal e praticante do economês, o ministro estava muito mais enrolado do que o habitual.
Ao revisar a meta de déficit, cujo objetivo é exatamente limitar o buraco no orçamento a uma determinada grandeza, Meirelles quebrou um compromisso anterior.
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O desgaste pessoal de Meirelles começou a se acentuar ainda na fase de resistência à ampliação oficial do rombo. Ao anunciar um aumento de impostos com ampla repercussão na cadeia de preços – a alta da alíquota de PIS/Cofins sobre combustíveis –, Meirelles não atentou contra seu discurso, mas quebrou um pacto não escrito com seus principais eixos de sustentação, o empresariado e o mercado financeiro.
Depois do delírio de sinalizar um rombo de R$ 170 bilhões e ser obrigado a desmentir, o governo apresentou dois níveis de subterrâneo no buraco: R$ 20 bilhões neste ano e R$ 30 bilhões em 2018. É bom lembrar que o limite atende pelo nome formal de "meta de déficit primário". Isso quer dizer que essas despesas não consideram, no cálculo, o pagamento das despesas com a dívida pública, o que eleva o resultado negativo para perto de R$ 500 bilhões.
Há verdade na fala de Meirelles: a despesa caiu. O fato sustenta o discurso de que a necessidade de revisão se deve à frustração de receita. Mas não anula a percepção de que o Planalto aprofundou o problema ao abrir o pacote de bondades que construiu sua ponte para a sobrevivência.
Até quem não considera a revisão da meta um desastre, caso de Raul Velloso, especialista em contas públicas, faz a conexão:
– Emendas são gastos obrigatórios em que não se consegue mexer. Mas acreditar que o governo de plantão não vai usar o orçamento em benefício próprio é muita ingenuidade. Seria suicídio. E a última coisa que esse governo é, é suicida.
Pior que o rombo do rombo foi a mensagem. A nós, ingênuos, cabe construir uma nova lógica.