Enquanto crescem as especulações sobre a "sarneyzação" de Michel Temer, quem conhece bem como funcionava a economia na época avalia que essa talvez seja a opção "menos ruim" para o Brasil neste momento de profunda crise política. O economista Maílson da Nóbrega, sócio da Tendências Consultoria e ex-ministro da Fazenda do governo Sarney, completou a condução da economia brasileira até a primeira eleição direta no país em 29 anos e avalia que Temer só tem uma desvantagem em relação a Sarney, a delação da JBS.
– O resto está tudo melhor.
É possível ver alguma tendência na economia, depois do terremoto em Brasília?Os sinais são de recuperação inequívoca. Claro, a crise pode desacelerar essa retomada, mas dificilmente vai abortá-la. Meu cenário é de permanência de Temer e aprovação das reformas, ainda que descaracterizadas, particularmente a previdenciária. A trabalhista tem muita chance de ser aprovada como saiu da Câmara. O Brasil está no meio de recuperação cíclica. É aquela que acontece quando a expansão se faz pelo preenchimento da capacidade ociosa. Isso se dá pela conjugação de fatores. O primeiro é a recuperação da confiança. O segundo, a queda da inflação, que reduz a corrosão inflacionária dos salários, permite a redução do juro e assegura a ampliação da oferta de crédito para consumo e investimento. Há uma safra agrícola espetacular, que pelo menos no primeiro trimestre deve explicar metade do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Falta apenas uma variável a ser recuperada, a do emprego. O número que saiu nesta quarta-feira é um bom sinal. (O desemprego) começou a se estabilizar. Está aumentando o rendimento real, foi a quinta alta consecutiva e a terceira da massa salarial real. Isso indica que o Brasil está caminhando para um crescimento medíocre, insuficiente para a necessidade do país. Mas crescer 0,5% ou 0,3% neste ano – alguns até falam em 1% – é muito melhor do que cair 3,6%.
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O cenário de permanência de Temer é bom para a economia?
Não, porque incorpora incertezas. Um presidente fraco politicamente, com baixo capital político, não é bom para o país. Mas diante do que foi sua missão, virar o jogo das expectativas e aprovar duas reformas cruciais, Temer tem tudo para conseguir. Por outro lado, estou vendo praticamente todos os analistas com uma afirmação no mínimo precipitada: a de que o governo chegou ao fim. O governo Temer só chegará ao fim se o presidente renunciar, sofrer impeachment ou ter a chapa (com Dilma Rousseff) cassada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Temer não tem incentivo para renunciar. Pelo contrário. Não estou examinando se é bom ou ruim. O presidente do Brasil é um dos mais poderosos chefes de governo do mundo. Em termos de recursos de poder, manda mais do que o americano. O presidente dos Estados Unidos é mais poderoso, mas não pode manejar o orçamento. Aqui, pode. No Brasil, há interpretação esdrúxula de que o orçamento é autorizativo. Aí, o presidente segura emenda parlamentar, acelera outras liberações. Tem algo como 200 empresas estatais e agências reguladoras para distribuir cargos. O presidente do Brasil pode baixar decreto-lei ou medida provisória para quase tudo. Seu poder de negociação política é gigantescamente maior. Por que Temer abandonaria isso e o foro privilegiado, principalmente, para despencar do Planalto para a planície? Na planície, pode estar sujeito à condução coercitiva e à prisão preventiva. Seria suicídio político. Um cara com a experiência dele não irá se suicidar politicamente. O impeachment, além de traumático, só acontece com presidentes desarticulados, sem aliados na Câmara, como (Fernando) Collor e Dilma. A decisão de abrir ou não o processo é monocrática, do presidente da Câmara (Rodrigo Maia), aliado muito próximo e amigo de Temer. Agora, pode ser que pressões políticas e populares o obriguem a iniciar o processo. Neste caso, vale invocar o exemplo de Getúlio Vargas. Em pleno escândalo da Rua Tonelero (tentativa de assassinato do jornalista e político Carlos Lacerda, no Rio de Janeiro), a UDN abriu processo de impeachment, por crime de responsabilidade, contra Getúlio, que ganhou a disputa de lavada. Era articulado. É o caso de Temer.
Então, desde Getúlio, não há presidente respondendo a inquérito, que é o caso de Temer?
Acho que não tem nem no restante da história. E essa é mais uma razão para ele não renunciar. Se renunciasse, no outro dia a Polícia Federal poderia bater na sua porta. Um cara que presidiu três vezes a Câmara, com anos e anos de experiência parlamentar, e que faz parte do maior partido político da Casa, é comparável a Getúlio Vargas, e não a Collor e Dilma.
Ainda resta a possibilidade de saída com o julgamento do TSE.
Acho que o parecer do TSE será pela cassação, é muito evidente. A tese de separação das candidaturas (de Dilma e Temer) será derrotada pelo relator. A probabilidade de haver pedido de vista é altíssima, com a complexidade do caso e a delicadeza da situação do país. Ministros do tribunal superior decidem tecnicamente, mas não deixam de ter olho político para guiar a análise. Pedido de vista não tem prazo para voltar, a prática tem sido essa. Em seguida, se a chapa for cassada ou Temer condenado, ainda que com efeito de suspender o mandato, ele vai recorrer contra a decisão e a suspensão. Temer é constitucionalista. Acho que todo o Supremo sabe que terá de decidir isso. O processo judicial brasileiro é complexo e cheio de recursos. Não será surpresa se for até 2018, quando o mandato será encerrado. Afirmar que 'Temer não tem condições morais para permanecer no poder' pode estar correto. A questão é: já falaram com os russos?
Quem são os russos?
(risos) O Temer e seu grupo. Temer e seu grupo estão articulando a mil, inclusive com apoio e a colaboração de (José) Sarney, que tem larga experiência. A eleição indireta pela Câmara pode gerar surpresa desagradável. Portanto, Temer pode figurar como a solução menos ruim. As pessoas se esquecem de olhar a história. Mesmo que os líderes se coordenem em torno de um nome, o que é difícil, não há garantia de que será eleito. Qualquer dos nomes que estão circulando tem razoável nível de rejeição no Congresso. O (Nelson) Jobim é sócio do (banco) BTG Pactual, de André Esteves. Alguns o veem como homem do Lula. É um excelente candidato, por sua experiência, capacidade de articulação, cultura, e assim por diante. Tasso Jereissati? Excelente nome. Foi governador (do Ceará) por três vezes, é empresário de sucesso, homem articulado, de partido. Mas vi um deputado questionar se teria jeito de pedir um cargo para o Tasso, que é do PSDB, porque os tucanos são vistos como arrogantes. Um juiz seria um desastre. Juiz não foi feito para tomar decisões políticas, foi educado para desenvolver cultura de decisão no processo judicial. Não tem experiência de articulação, de condução de governo em meio à crise. Como não seria proibida a candidatura de outras pessoas do Congresso e até de fora dele, pode acontecer que um político ambicioso e despreparado se candidate. Ele poderá ser eleito pelo baixo clero. O baixo clero tem três tipos de parlamentares: o fisiologista, o superfisiologista e o hiperfisiologista. Há dois casos recentíssimos. Severino Cavalcanti e Eduardo Cunha foram eleitos com apoio decisivo do baixo clero e derrotaram a coalizão governante. Quem disse que isso não pode acontecer de novo? O Temer pode ser a solução menos ruim. O tempo joga a favor dele. A economia está ingressando em processo de aceleração, o emprego subirá daqui a pouco, a inflação continuará caindo, assim como a taxa Selic, a confiança subirá, o investimento estrangeiro seguirá chegando. Não é nada fabuloso. Mas, nas circunstâncias, é fantástico. O que pode mudar esse cenário? O Temer renunciar por não aguentar a pressão. Pode acontecer, mas acho complicado. O quadro pode ficar mais complexo, com delação premiada do Rodrigo Loures. Acho que nada disso é capaz de alterar de maneira decisiva o cenário. Sem grande surpresa, há grandes condições de o Temer continuar e a economia se recuperar. Aí iríamos para as eleições de 2018 com tranquilidade. A chance de eleição direta agora é zero.
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A comparação do restante da gestão de Temer com o final do governo Sarney faz sentido?
Eu era o ministro da Fazenda na época. Vi o final do governo Sarney. O Temer só tem uma desvantagem: a delação da JBS e o provável depoimento do Loures. De resto, é tudo melhor. No Sarney, o centro do sistema político era Ulysses Guimarães, que podia vetar a nomeação de ministros do Sarney. Ele vetou a nomeação do Tasso Jereissati para a Fazenda. Foi por isso que virei ministro. Ulysses era o tríplice presidente. Na verdade, era três e meio: presidente da Câmara, da Assembleia Constituinte e do PMDB, além de meio presidente da República. Hoje, o centro é do Temer. O Brasil estava com a economia piorando e a inflação intratável naquela época. Hoje, a economia começa a melhorar, e não há processo inflacionário intratável. Pelo contrário, o Brasil venceu a hiperinflação. Embora ainda haja inércia inflacionária, nem se compara com o que era naquela época. O país hoje é atrativo para o investimento estrangeiro. O agronegócio se tornou o maior sucesso da economia em todos os tempos. É o campeão de sucesso, de geração de otimismo. O sistema financeiro é totalmente sólido, bem regulado e provisionado. É outro Brasil. O país tem Judiciário independente, investigações autônomas com órgãos igualmente autônomos, como Polícia Federal e Ministério Público, apesar dos excessos deles. É um conjunto do que conquistamos desde a democratização. A função de Sarney era conduzir a transição, evitar que o Brasil retrocedesse no campo democrático. Conseguiu. O Temer não tem essa missão. A missão número um dele é sobreviver. A segunda, conseguir as reformas. Com a aprovação da trabalhista, a previdenciária ficará mais viável, talvez com descaracterização maior.
Que descaracterização seria essa na reforma da Previdência?
Seria restringir as mudanças a duas coisas: idade mínima e unificação dos regimes. A proposta era durar 30 anos. Vai durar três. Mas ao menos elementos básicos serão introduzidos, que não serão objeto de discussão se não para melhorar. Tenho expectativa de que não vamos eleger um doido em 2018. Com a legitimidade renovada pelas urnas, (o presidente) fará a reforma que o Temer não conseguir. Como já foi aprendido, é necessário processo de comunicação e negociação melhor. O mercado ficará feliz com isso. Há liquidez ampla e oportunidades no Brasil.
A sucessão de escândalos não espanta investimentos estrangeiros?
É claro que impacta, mas não impede que continuem olhando para o Brasil. Um dos efeitos da crise é o adiamento do plano de investimentos, inclusive o estrangeiro. Nenhuma multinacional relevante está fora do Brasil. O investidor não pode ficar desconectado. A pressuposição é de que o país vai resolver essa crise em algum momento. As multinacionais fazem esse tipo de análise. Aprenderam a lidar com diferentes ambientes institucionais. O Brasil não é complicado. Complicados são Venezuela, Iraque, Afeganistão.