No mesmo dia em que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, prometeu aumentar em US$ 54 bilhões os gastos militares no próximo orçamento federal, o mesmo que terá cortes na ajuda internacional, com risco de atingir a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), a China reforçou seu novo papel de defensora da liberdade para o comércio mundial, já ensaiado pelo presidente Xi Jinping durante o Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça. Em guerra metafórica com metade da população do país e firme disposição para comprar brigas comerciais, Trump assume ainda seu apetite por confrontos reais.
A justificativa para elevar gastos bélicos em cerca de 9% é cumprir a promessa de "manter os Estados Unidos seguros". Caso seja aprovado – o que não é certo, mesmo dada a maioria republicana nas duas casas legislativas –, será um aumento histórico nos gastos de defesa, admitiu o próprio Trump após reunião com governadores na Casa Branca marcada para o mesmo horário da transmissão da cerimônia do Oscar, em que foi constantemente criticado de forma alusiva, sem ataques diretos. Enquanto os americanos – como os brasileiros – discutem como é possível se opor sem fomentar o ódio, os chineses atacam o protecionismo.
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Se a guerra propriamente dita de Trump, ao menos por enquanto, é focada na defesa, a comercial segue sem disfarces a trilha do ataque. A China levantou o tema da necessidade de aliviar o protecionismo porque é um dos principais alvos de sanções unilaterais em estudo na Casa Branca adornada pelo topete dourado que contrariam todas as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC). A estratégia é tão flagrantemente inconsistente com as regras das trocas internacionais duramente construídas que nem a retirada dos EUA da OMC está fora de cenário, como reconheceu um assessor de Trump ligado ao setor siderúrgico.
Imagine-se a situação: a maior economia do planeta se retiraria da organização que disciplina o comércio internacional. Se é fato que a OMC sofreu forte erosão de sua capacidade de coordenar acordos e tratados, ainda preserva certa capacidade de dirimir controvérsias. Sem os EUA, grande beneficiado até hoje pelas decisões da entidade, a existência desse organismo multilateral não teria mais sentido. Daí para novos conflitos, seria um passo.Depois de Trump, pode não estar o dilúvio, como se dizia, de forma arrogante, porém profética, ao menos para a realeza, na corte de Luiz XV. Mas o risco de caos parece crescer a cada passo do magnata.