Diz o ditado que Deus inventou o câmbio para humilhar os economistas. A frase resume bem a dificuldade que até os especialistas têm para projetar o patamar da moeda no futuro. São tantas as variáveis, que fica difícil apontar um número com segurança.
Talvez seja por consciência dessa imprevisibilidade que a aproximação do dólar da faixa de R$ 3 hoje não cause tanta surpresa assim. Porque, se fossemos levar em conta o relatório Focus, o levantamento semanal divulgado pelo Banco Central com a projeção média de analistas de todo o país, o susto seria bem maior. Em dezembro, o dólar custava R$ 3,25 e a expectativa era de que terminasse 2017 em R$ 3,40.
Leia mais
Será que dólar barato é furado?
Dólar testa piso de R$ 3,10, mas só no curto prazo
Dólar cai e nem Trump e nem Temer tem alguma coisa a ver com isso
Mas a moeda americana tirou o pé do acelerador e engatou a marcha à ré. Durante os dois últimos dias, beijou a barreira dos R$ 3, para a alegria de quem está com o cartão de embarque para o Exterior em mãos. Só neste ano acumula recuo de 5,1%, embora tenha encerrado o pregão desta quinta-feira cotada a R$ 3,08, leve alta de 0,56%.
Os motivos para o recuo são muitos. Até o que se esperava que fosse afastar investidores – e fazer o valor da moeda subir – acabou ajudando. É o caso do cenário político. Mesmo emperrada em Brasília, a agenda de reformas proposta pelo governo Temer agrada ao mercado.
A interpretação é de que, ao tentar diminuir gastos, o conjunto de medidas pode atrair mais recursos vindos do Exterior. Fato é que até agora poucos ajustes saíram do papel, mas o câmbio continua caindo.
– O que temos hoje, e não havia em 2016, é a perspectiva de ajuste do setor público – afirma Ivo Chermont, economista-chefe da gestora Quantitas.
Outro exemplo é a chegada de Donald Trump à Casa Branca. A expectativa era de que os estímulos prometidos pelo novo presidente ajudassem na retomada da economia americana e levassem investimentos aplicados no Brasil para lá – empurrando a cotação para cima. Não foi o que aconteceu. Por enquanto.
Longe de um cenário de expectativas, o aumento real no preço de matérias-primas como minério de ferro e soja, armas de países emergentes, tem ajudado. A alta nos ganhos dos exportadores brasileiros acaba trazendo recursos vindos de fora, lembra Valter Bianchi Filho, sócio-diretor da Fundamenta Investimentos.
– Nesta semana, houve ainda a aprovação na Câmara da nova fase do projeto de repatriação de recursos. Isso ajuda a trazer mais dólares para cá – afirma.
A moeda americana é a mais negociada no mundo. Quase 90% das transações internacionais são feitas em dólares. Com a moeda em patamar mais baixo, além dos brasileiros com viagem marcada para o Exterior, quem abre o sorriso são os interessados em comprar produtos importados. Ao mesmo tempo, o câmbio abaixo de R$ 3 pode causar enxaqueca a empresas exportadoras. A moeda tem, sim, dois lados.