Com mais de 30 anos de experiência no varejo, o consultor Alberto Serrentino, fundador da Varese Retail, considerada uma boutique de estratégias para o setor, avalia que a crise brasileira forçou as empresas brasileiras do segmento a um ajuste em busca de eficiência que dificilmente seria feito em tempos de bonanças. As redes que se anteciparam à recessão, avalia o especialista, vão crescer mais rápido quando a economia começar a reagir. Palestrante nesta quinta-feira na 4ª Feira Brasileira do Varejo (Febravar), em Porto Alegre, Serrentino conversou com a coluna. Leia a íntegra:
Qual é o tamanho do impacto da crise no varejo?
Primeiro, o impacto da crise não é homogêneo nem entre setores, nem entre mercados. Então o desafio das empresas é muito diferente, dependendo do segmento em que elas estão. Se você pegar uma empresa do setor de eletroeletrônicos, por exemplo, ela estão sofrendo muito mais do que alimentos. Dentro do setor de móveis, há segmentos que estão sofrendo mais do que outros.
A dimensão da crise não afeta de maneira homogênea as empresas. Quando se fala em vencedores, há uma escala muito diferente, dependendo de onde as empresas estão. Mesmo em termos de mercado, se pegar setores como o próprio varejo de eletro, há regiões no Brasil sofrendo menos que outras. Então, a primeira coisa é que as empresas sofrem o impacto da crise em magnitudes diferentes. As empresas que estão sofrendo mais – que em casos extremos chegam a recuperações judiciais – não estão vivendo isso em decorrência da crise.
A crise acentuou fragilidades e problemas que já tinham antes. Então, o primeiro ponto para distinguir a maneira como as empresas sairão da crise e como elas enfrentam esse processo todo é a maneira como elas entraram na crise. Aí eu falo muito de estrutura de capital, grau de liquidez. Empresas muito alavancadas e que dependem muito de financiamento de terceiros para girar o seu negócio neste momento sofrem muito mais do que quem tem um conservadorismo financeiro maior, baixo grau de alavancagem e consegue se financiar com geração própria de caixa.
Estratégias financeiras e decisões tomadas no passado criam condições diferentes para o enfrentamento da crise. (Sofre mais) quem cresceu muito rápido, aproveitando as oportunidades que o ciclo do boom apresentou, e ocupou muito espaço, mas que para fazer isso acabou com a estrutura de capital mais frágil, ou seja, muito alavancado, com grau de endividamento muito alto, com a necessidade muito grande de financiamento, eventualmente com custo financeiro mais alto.
O período de ouro do varejo escondeu ineficiências?
No primeiro bloco do meu livro, reconstruo a evolução recente do varejo brasileiro a partir de uma leitura de ciclos. Esse ciclo eu chamo de ciclo do boom, que foi de 2003 a 2012. E eu caracterizo esse ciclo não só como um ciclo de crescimento muito robusto, porque o varejo se beneficiou muito. Mas houve um brutal processo de amadurecimento do nosso mercado.
Esse amadurecimento veio por aumento de formalidade, aumento de participações de fundos dentro de empresas de varejo, melhorias na governança, transparência e gestão, processos de fusão e aquisição. Não diria que o crescimento provocou ineficiências. Diria que houve uma série de avanços e melhorias na maturidade do nosso varejo, particularmente no relacionado à gestão financeira, transparência, governança, formalidade.
Agora, num processo de crescimento acelerado como vivenciamos, as empresas tinham obsessão por ocupar espaços, e isso significou novos mercados, expandir lojas de maneira orgânica, mas acelerada, se jogar em processos de fusões e aquisições, promover inovações em produtos, formatos. Tudo isso é incompatível com uma agenda de produtividade e eficiência. É muito difícil conciliar as duas coisas. O que começou a acontecer a partir de 2013 foi que várias empresas perceberam a desaceleração, sentiram que o mercado mudaria de vento e começaram a desacelerar a sua expansão e abrir uma agenda de produtividade. Fizeram isso antes da crise.
São essas que não foram pegas no contrapé que serão as vencedoras?
Não só essas. Essas estão sentindo menos a crise e, no momento de recuperação, vão voltar a crescer mais rápido. Lembrando que o varejo não parou. As empresas que não estão paradas têm o justo grau de conservadorismo financeiro que permite a elas passar pela crise sem risco sistêmico. E que conseguem manter a dupla agenda.
O maior desafio que existe hoje para qualquer líder de varejo é a conciliação das duas agendas. A agenda de curto prazo de sobrevivência, de enfrentamento da crise para tomar medidas duras e necessárias, sem abandonar a agenda de longo prazo. Não voltaremos a crescer com o vigor que crescemos até 2012, mas voltaremos moderadamente, e isso vai abrir espaço para as empresas mais bem estruturadas crescerem mais. No momento em que a demanda voltar a crescer, a lucratividade dessas empresas vai crescer muito mais. Porque será a partir de uma base mais eficiente e enxuta e não voltarão a inchar mais.
Por isso o senhor diz que que o varejo vai avançar 10 anos em dois?
É, porque a velocidade com que as empresas estão fazendo os ajustes e tomando decisões difíceis não aconteceria num cenário sem crise. Aconteceria, mas demoraria muito mais. Veja as decisões de empresas fechando lojas. Ninguém fechava loja ruim na bonança. Não existe mais tolerância pra essa situação porque qualquer coisa que signifique reduzir resultados, afetar o caixa, é intolerável.
Como no processo de recuperação da economia o emprego é o último a reagir, o varejo ainda tem uma longa travessia para sair da crise?
A dinâmica de crescimento do varejo vai ser bem diferente do que foi até 2012. Tenho falado que há três fundamentos para que a recuperação comece a acontecer de verdade. A primeira é que haja estabilidade política.
E há estabilidade agora?
Não. Porque você precisa fechar o ciclo de transição do governo. Há essa incerteza no ar de que a situação é transitória, mas precisa ser definitiva. A partir daí, é preciso demonstrar que há base de sustentação para aprovação de medidas necessárias. Além de um governo estável, com uma agenda, condições de governabilidade. A agenda de mudanças precisa de sustentação no Congresso. O que vai reativar a economia no primeiro momento não é consumo. É investimento. E o investimento represado só vai destravar no momento em que houver estabilidade política. Basicamente, é preciso haver o convencimento de que haverá equilíbrio fiscal, porque isso desestrutura nossa economia e desestabiliza nossa economia. E que a inflação esteja controlada. Com o controle da inflação e equilíbrio fiscal, os juros podem cair. Medidas de incentivo a investimento e ao crédito vão voltar.
Com a confiança reestruturada, aí você destrava uma série de mecanismos que permitem a recuperação. O primeiro deles é que há muito recurso externo parado que não entra no Brasil, muita empresa que tem caixa não está investindo, esperando o cenário ficar mais claro. As empresas têm de ter a percepção de que parou de piorar. O desemprego parar de crescer. O que está acontecendo no Brasil é uma destruição de empregos. Estamos queimando emprego. Precisa parar de piorar para começar a melhorar.
Esse ciclo mais longo que começa com estabilidade política e por fim com retomada do consumo vai levar quanto tempo?
É muito difícil fazer previsões de datas. A recuperação pode acontecer de maneira mais rápida. Se neste terceiro trimestre conseguirmos consolidar a estabilidade política e a percepção de que uma agenda política será implantada, com uma base de sustentação, eu acredito que no quarto trimestre poderemos ver os primeiros sinais de virada e que 2017 será positivo. Não será eufórico, mas vai ser positivo.
Para o varejo ou para a economia?
Para dos dois. O que provavelmente vai acontecer daqui pra frente, mas isso já se previa antes da crise, é que não teremos aquele descolamento que tivemos até 2014 entre desempenho do PIB e desempenho do varejo. Nós passamos mais de 10 anos com o varejo completamente descolado da economia. Porque crescemos em cima de aumento de renda, queda de desemprego, formalização do emprego, expansão do crédito e estado de euforia generalizada. Isso fez com que o consumo se mantivesse mesmo em anos em que a economia não cresceu.
Talvez teremos uma situação inversa. A não ser que tenhamos novos sobressaltos políticos, nova paralisia do governo, 2017 tem tudo para ser um ano positivo. Até porque a base de partida dele é muito ruim. Nós não voltaremos sequer ao patamar do ano passado. Gosto sempre de lembrar que em 2001, 2002 e 2003 o varejo teve desempenho negativo. Não teve uma freada tão brusca, mas tivemos três quedas consecutivas e passamos a crescer.
*Interino da coluna +Economia. A titular, Marta Sfredo, está em viagem.