Quando todos olhavam para o lado ou davam de ombros, Alexandre Espírito Santo era uma das poucas vozes que alertava para os riscos do Brexit. Agora, é um dos menos surpreendidos e, talvez por isso mesmo, dos menos pessimistas. Avalia que o Brasil sofrerá uma sacudida, mas não um abalo grave com a saída do Reino Unido da União Europeia (UE).
Por que a reação dos mercados foi tão forte?
A decisão não estava sendo considerada pela grande maioria dos analistas e dos investidores. Foi uma surpresa. O maior abalo é no Reino Unido porque a decisão, política e economicamente, é muito ruim para eles próprios. É um tiro no pé. A maioria dos analistas acha que trará consequências muito ruins, sobretudo para o Reino Unido. Estou projetando perda entre 2 e 3 pontos percentuais no PIB per capita nos próximos dois ou três anos. Mas todos têm cálculos muito preliminares porque não estavam, de fato, trabalhando com esse cenário. Mais da metade das exportações do Reino Unido vão para a UE, que está com discurso muito forte agora para que a saída seja acelerada.
Esse não é um discurso pré-votação, que deverá ser atenuado para atenuar os abalos?
É cedo para dizer, mas a maior preocupação, agora, será evitar uma debandada de outros países, que é o grande medo na UE. Grécia, Itália, Espanha e Portugal podem abandonar o barco. Nesse sentido, Angela Merkel (a chanceler alemã) terá papel importante, ajudada pela França, para tentar conter essa possível contaminação. Vão precisar ter cuidado para que o bloco não se desmanche, com efeitos sobre o próprio euro. A perda de protagonismo do bloco vai afetar a moeda de forma direta.
Será um evento no nível da quebra do Lehman Brothers?
Não acho que tenha poder de desestabilizar a economia global a esse ponto. Mas pode tirar ritmo dessa recuperação global que está ocorrendo de forma muito gradual. Embora houvesse pouca preparação, não é um evento que surpreendeu como a quebra do Lehman. Agora, a economia europeia já está bastante fraca, não terá mais condições de afundar de forma tão importante. A economia do Reino Unido vai sentir mais do que a europeia, e a europeia mais do que a global. Mas não deve trazer todo aquele espectro ruim de 2008.
Como o Brasil será afetado?
O comércio será afetado, sim. Parte importante das nossas exportações vão para a União Europeia e, como a economia de lá vai se ressentir, é possível que as vendas para o bloco diminuam. Mas se imaginarmos que esse quadro que o Brasil está vivendo agora seja o que vai prevalecer, a presidente seja definitivamente afastada, e o Michel Temer assumir, tende a reduzir o impacto.
Neste momento, qualquer coisa que aconteça lá fora, por mais importante que seja, tem menos relevância do que nossos próprios revéses aqui. É óbvio que os mercados financeiros são muito influenciados. Os canais de contágio financeiro pelos mercados existem desde a acentuação da globalização, na década de 1990. Mas esse contágio deve ficar muito restrito aos ativos financeiros, bolsa, moedas.
Há algo de bom para o Brasil com a decisão?
É possível que o Federal Reserve adie mais um pouco o aumento do juro nos Estados Unidos, como já sinalizou a presidente Janet Yellen. Isso seria bom para nós. Se a gente começar a fazer o dever de casa, só haverá impacto da alta do juro nos Estados Unidos aqui no médio prazo. Mas precisamos voltar a ter política macroeconômica focada em responsabilidade fiscal, metas de inflação convergindo para o centro, não para o teto. Mas se isso não acontecer, e a gente voltar para o governo anterior, aí o Brexit o poder de uma bomba atômica.
O clima de sexta-feira negra pode se estender?
A reação imediata é compreensível, porque não era o que o mercado estava esperando, é um resultado diferente. Essas quedas significativas significam pânico. As pessoas ficam empanicadas, com medo do que pode vir a acontecer, é tudo muito irracional. Mas não acredito que vá ocorrer por um período muito longo. As bolsas lá fora estavam em alta há mais tempo, têm gordura para queimar. É o que vai acontecer. O problema é que os analistas e investidores estavam dando de ombros para esse evento, que agora aconteceu.