Se não é mais aceitável, como disse na terça-feira o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), "desviar dinheiro público, seja para financiamento eleitoral, seja para o bolso", o que dizer de dinheiro extorquido de empréstimo consignado a funcionários federais? Não são servidores de altos salários que terão recorrido aos financiamentos com juros mais baixos graças à garantia de pagamento representada pelo acesso à folha de pagamento para descontos automáticos da quitação mensal.
O mais espantoso na Operação Custo Brasil é fato de não estar associado ao uso mais comum do termo – impostos elevados, logística precária, desvios nos cofres de grandes estatais. A investigação do Ministério Público e da Receita Federal em São Paulo mostrou um esquema de fraude cobrava R$ 1 de cada servidor, quando o valor correto, para cobrir custo e render margem de lucro, seria de R$ 0,30. Ou, nas palavras de Fábio Ejchel, da Receita Federal, ''um exemplo de como a corrupção e a sonegação prejudicam o cidadão e aumentam o custo das operações''.
Mais do que a autocongratulação dos investigadores, medindo forças e "justiçamento" com os colegas de Curitiba, impressionou uma frase do procurador Andrey Borges de Mendonça:
– R$ 100 milhões foram desviados de funcionários públicos que se privaram de suas necessidades básicas para abastecer os cofres de políticos. É o cúmulo da vilania.
Mesmo para um país quase anestesiado por sucessivas e intermináveis fraudes multibilionárias, o mecanismo da fraude apontada pelos investigadores espanta pelo fato de não envolver empreiteiras ou estatais.
A fome de desvios chegou aos bolsos despreparados da camada de mais baixa renda dos servidores federais. Para explicar, em detalhes: cada funcionário pagava uma taxa mensal de R$ 1 pelo empréstimo consignado. Desse valor, deveria ter pago apenas R$ 0,30. Os outros R$ 0,70 eram surrupiados pelo esquema que envolvia a camada mais abastada da mesma categoria – em tese –, o primeiro escalão do governo.
Nos países que conseguem manter a corrupção como desvio de caráter, não como comportamento padrão, altos funcionários do governo são exatamente isso: colegas mais graduados dos que, na linha de frente, prestam serviços à população. Apesar de a operação ter rendido debate político, é bom lembrar que a corrupção brasileira é apartidária desde sempre. Vinte anos depois do assassinato não esclarecido de Paulo Cesar Farias, outro Paulo Cesar (Morato) apareceu morto.