Stefan Staiger Schneider se apresenta como ''meio brasileiro, meio alemão''. Formado em Direito pela PUCRS e com pós-graduações em duas universidades europeias, é consultor jurídico em contenciosos envolvendo atividades comerciais entre países do Mercosul e da União Europeia.
Familiarizado com temas como identidade europeia, política comum estrangeira de segurança e do Parlamento Europeu, Schneider considera ''imprevisível'' a duração do período de incertezas aberto com a decisão.
Duração da incerteza
''É imprevisível. Dependerá do governo britânico, que precisa definir como irá proceder daqui para frente em relação à voz do povo. É certo que as incertezas geram insegurança para investidores e o comércio. Quanto mais tempo houver incertezas, maiores serão os prejuízos para o Reino Unido. A desvalorização da libra é apenas o início. Em seguida virá o aumento do desemprego, a inflação e bancos estrangeiros irão fechar as suas filiais em Londres e focar os seus negócios em Frankfurt, na Alemanha, onde também está o Banco Central Europeu.''
Chance de reversão
''Sim, há. Outros países da União Europeia já repetiram referendos a respeito de temas relacionados à UE. Dinamarca e Irlanda são exemplos. É importante explicar que, apesar de tudo o que ocorreu até agora ter sido democrático, a força é meramente política. O referendo popular não tem efeito vinculante, não obriga o Reino Unido a sair da UE. Só depois de o governo britânico invocar o artigo 50 do Tratado de Lisboa, que tem o mecanismo para países deixaram de ser Estados-membros da UE, é que haverá notificação formal do Reino Unido da decisão de saída. O artigo 50, que tem cinco alíneas, define na n° 1: 'Qualquer Estado Membro pode decidir, em conformidade com as respectivas normas constitucionais, retirar-se da União'.
''De acordo com o Direito Constitucional britânico, apenas o Parlamento pode decidir a respeito da soberania nacional. Assim, fazer parte e sair de organizações internacionais (da OMC, por exemplo) e supranacionais (a União Europeia é o único exemplo) é de competência exclusiva do parlamento. O referendo tem um efeito apenas consultivo. Portanto, em tese, o parlamento pode ignorar o referendo. Embora politicamente inadequada, seria uma postura legal. Uma saída menos drástica seria submeter o tema ao parlamento para que decida, ou seja, ratifique ou não a decisão do povo no referendo. Em outras palavras, a decisão do parlamento poderia reverter a decisão do povo. Costumo dizer e repetir que é a lei, e não a política, que constrói as conexões mais fortes e as integrações mais estáveis. Essa fórmula também vale para a situação britânica dentro da UE.''
Impacto no Reino Unido e na UE
''É verdade que os britânicos contribuem muito para a UE por serem o terceiro país mais rico e populoso do bloco, mas também lucraram muito por fazer parte da União Europeia. Um exemplo é o fato de várias empresas não-europeias terem montado as suas fábricas e sedes europeias no Reino Unido apesar de vender mais nos países da Europa continental. Um dos principais motivos seria o idioma inglês, o segundo do mundo. Existem cerca de mil empresas japonesas no Reino Unido cujos produtos são vendidos mais nos demais países da UE e tudo indica elas transferirão as suas unidades para o continente.''
''Historicamente, os britânicos nunca se sentiram como os europeus do continente. Eles eram 'britânicos' e os demais eram 'europeus'. Para os britânicos, a saída da UE envolve mais consequências negativas do que positivas. Diretor-geral da OMC, Roberto Azevedo, já avisou que a saída do Reino Unido da UE terá um custo de US$ 13,2 bilhões em tarifas de importação. E Mark Carney, presidente do Bank of England, afirmou que o período após o Brexit será de recessão. Para os países da União Europeia, a saída do Reino Unido não é uma catástrofe. O bloco terá uma população de cerca de 440 milhões de pessoas. A saída dos britânicos é, acima de tudo, a perda de um importante membro e parceiro comercial dos demais.''
Impacto no Brasil
''O Brasil tem superávit no comércio bilateral com o Reino Unido – vendemos a eles mais do que compramos – e essa situação deve ser manter. A libra poderá se desvalorizar mais e reduzir o poder de compra dos britânicos, mas essa desvalorização não ocorre só diante do real, mas perante todas as moedas do mundo. Além disso, o Reino Unido representa apenas 1,6% das exportações brasileiras, o que subentende que reduzir exportações para lá não seja motivo de grande preocupação, diferentemente do da União Europeia, que é responsável por 17,8% de tudo o que exportamos.''
Mas há uma boa notícia para os brasileiros: visitar o Reino Unido está mais barato por causa da desvalorização da libra. A última vez que esteve tão baixa foi há 31 anos. E as previsões são de que caia ainda mais se de fato o Reino Unido sair da UE. A burocracia para exportar para o Reino Unido também passará por mudanças. Enquanto atualmente as exportações brasileiras para o Reino Unido precisam seguir as regras da União Europeia, novas regras existirão a partir do momento em que, de fato, o Reino Unido não faça mais parte dela. Essas novas regras poderão ser mais complicadas ou não. Isso dependerá do governo britânico. Portanto, é mais uma incerteza.''