Autor de um livro sobre lavagem de dinheiro que foi mostrado pelo desembargador Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), no momento de seu voto no processo penal 470, conhecido como mensalão, o advogado gaúcho André Callegari está acompanhando um caso relacionado à Operação Lava-Jato na defesa do senador Fernando Bezerra (PSB-PE).
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Especializado em crimes econômicos quando o assunto ainda engatinhava no Brasil, com poucas leis e menos ainda investigações, Callegari afirma que não se deve esperar da Lava-Jato uma limpeza de costumes no país, mas que há uma tendência internacional, pressionada até pelo controle do terrorismo, de impor mais controles a atividade econômica e transações financeiras. À coluna, expôs sua experiência e impressões sobre o caso.
Qual sua vinculação à Operação Lava-Jato?
Fomos contratados pelo senador Fernando Bezerra, porque montamos um escritório em Brasília com Gabriela Rollemberg, a filha do governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg, que é do PSB, como o senador. Houve uma reunião de avaliação de nomes para defendê-lo e ele acabou nos contratando.
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Qual sua posição sobre a validade das delações premiadas?
Ao menos uma coisa tem de bom: o STF já se manifestou, várias vezes, que a delação, por si só, não serve como elemento de prova para condenação. Precisa ser corroborada por outros elementos. O colaborador tem de indicar, quando faz a delação, onde existem provas que atestem a veracidade da delação. É preciso separar a Lava-Jato, tem a parte empresarial, que já tem várias condenações, e a dos políticos, que em decorrência do foro privilegiado está em ritmo mais lento.
O que é mais grave, delações sem comprovação ou alguma denúncia sem investigação?
A PF tem feito bem isso, inclusive no núcleo político. No primeiro grau, para quem não tem foro privilegiado, a investigação anda mais rápido, até porque as pessoas estão presas, o que significa que os prazos são menores para o fim do inquérito e a acusação formal pelo MP. Como os políticos têm foro privilegiado e têm de designar hora para serem ouvidos na PF, as investigações dependem de um ministro do Supremo, porque um juiz não pode autorizar. Mas a PF tem usado todos os mecanismos à sua disposição para verificar contratos, empresas que pertencem a políticos, transações bancárias, financeiras. Várias medidas de busca e apreensão e quebra de sigilo foram deferidas nos últimos meses.
Do ponto de vista de quem está atuando na defesa, o prejulgamento se tornou mais forte do que a prova?
Costumo lembrar do caso da Escola de Base, em São Paulo, quando houve acusação de molestar crianças. A escola foi fechada, eles quase sofreram linchamento público, e foram inocentados. Tem vazado muita coisa, e o perigo dos vazamentos é que estamos na fase inquisitorial, de inquérito, que pode levar ao arquivamento, porque o procurador pode não ter elementos suficientes para denunciar, ao pedido mais diligências ou ao oferecimento a denúncia, que é a formalização da acusação. Mas mesmo com a acusação formalizada não significa que a sentença será condenatória. A gente tem de ter um pouco de cuidado, porque estamos construindo tudo com base em duas delações - Alberto Youssef e Paulo Roberto Costa. Agora até há mais, mas a origem de tudo são essas duas.
Ao dizer que a PF está agindo bem, significa que a investigação até agora tem boa base, do ponto de vista da defesa?
Sim, há indicativos de pessoas que participaram, material apreendido apareceram contratos de empresas de fachada, empresas que receberam dinheiro sem base. Em outros casos, a gente ainda está na expectativa do que virá com base nos documentos apreendidos.
Há críticas ao que seria a PF manteria suspeitos presos por longo prazo, em tese para forçá-los a fazer delação premiada...
Eu também questiono. O Código de Processo Penal estabelece requisitos para manter a prisão preventiva: por garantia da ordem pública - que a pessoa solta não vá continuar com a conduta criminosa -, por conveniência da instrução criminal - que a pessoa solta não vá interferir na colheita da prova, ameaçar pessoas, destruir documentos - e por garantia da aplicação da lei penal - que não fuja. Se examinarmos, todos os requisitos caem. Todas as provas foram colhidas, terminou essa fase. As pessoas foram ouvidas. Os passaportes foram recolhidos. E a garantia da ordem pública, que ninguém sabe exatamente o que é, mas seria o fato de manter o delito, fica garantida se as empresas ficarem impedidas de participar de licitação pública ou de contratos com o poder público ou impedidos de exercer sua função. Estamos mantendo as pessoas presas para dar o exemplo de que colarinho branco também vai preso no Brasil.
Dado o perfil carcerário do Brasil, isso não é importante, desde que seja justo?
É salutar, sempre defendi, mesmo como advogado criminalista, a prisão preventiva quando necessária. Mas não pode se banalizar. Não podemos usar para mostrar à população de que temos de prender empresários. Pode haver a prisão, desde que seja necessária. Se tivermos fundamentos para que se mantenha essa prisão, se alguém estiver destruindo provas, manipulando a investigação criminal ou houver risco de fuga, estou de acordo, como para qualquer pessoa da população.
A expectativa de que a Lava-Jato transforme as relações público-privadas e até as relações de negócio é realista?
Sim, não é só a Lava-Jato. O julgamento do Mensalão foi um momento de transformação, porque foi aplicada a Lei de Lavagem de Dinheiro. Até 1998, a lei incriminava só um rol taxativo de delitos, para caracterizar precisava se enquadrar em um daqueles crimes. Em 2012, houve uma alteração que seguiu a terceira geração das leis de lavagem. Agora, qualquer delito que gere bens, dinheiro ou valores, pode ser crime antecedente ao de lavagem. Antes, nem o jogo do bicho poderia ser enquadrado em lavagem porque não é crime, é contravenção. Nesse aspecto, a lei, mais do que o julgamento, reforça uma tendência mundial. Há um crescimento do direito penal econômico. Há 20 anos, ninguém falava nisso, havia a Lei 7492, a Lei da Usura e mais algumas leis esparsas. A mudança de paradigma da justiça penal foi o foco em delitos econômicos. Será cada vez mais difícil ocultar o dinheiro. As transações serão cada vez mais fiscalizadas, por normas de cumprimentos, transações bancárias, acordos internacionais, até para controle do terrorismo.
A Lava-Jato para o Brasil será como a Mãos Limpas para a Itália, depois de finda tudo volta a ser como antes, ou haverá redução da corrupção?
Não tem grande expectativa de mudança. Teremos mais controle, isso é fato, mas que vai elidir a corrupção, que vamos acabar com esse tipo de prática, é difícil. Até porque há uma análise econômica do Direito, que é o cálculo do custo/benefício de uma operação. O poder de fiscalização é pequeno, muitas vezes por amostragem. Então do ponto de vista de que faz, pode valer a pena correr o risco. Se for pego tem um X de condenação ou de multa, mas ainda é um risco tolerável.
É possível desequilibrar a essa relação custo/benefício?
Temos de profissionalizar a administração. As pessoas têm de demonstrar que são probas para exercer a função pública, preferencialmente funcionários de carreira, apresentem declaração de renda quando ingressam e quando saem, com controle fiscal e bancário aberto do início ao fim. E esses cargos em comissão, que são de nomeação direta de diretores e presidentes, não podem estar nas mão de pessoas com palavra final sobre a negociação e os contratos administrativos que serão firmados. É preciso que um colegiado tome as decisões. Quanto mais fiscalizar administrativamente, mais fácil é de impedir esse resultado.