Sim, ele é um desenvolvimentista. Julio Sergio Gomes de Almeida foi secretário do ex-ministro Guido Mantega. Mas saiu brigado. É professor da Unicamp e consultor do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento da Indústria (Iedi).
Avalia que o BC está certo, mas que a situação interna está ainda pior do que a externa. E que a economia está em "pandarecos".
Leia outras entrevistas da seção Respostas Capitais
A polêmica está grande mas, na minha avaliação, está certo. Tanto ao divulgar a nota de que consideraria a revisão da projeção do FMI quanto na manutenção do juro. O BC havia acenado com a perspectiva de que iria aumentar a taxa, e o presidente do BC colocou um novo dado na equação. Fato é que as expectativas da economia pioraram rapidamente, culminando com o relatório do FMI, que joga a recessão para 2016 em 3,5% (a projeção do mercado no Brasil é de 2,99%). Se há um fato novo, é correto falar sobre isso. Se isso fizesse o BC não aumentar a taxa, diriam que só deu indicação contrária. Antes da decisão, deu indicador de que pode não ser bem assim.
Chegamos ao ponto em que não adianta subir o juro?
Há de fato uma polêmica sobre o tema. Não ia adiantar de fato para a inflação e iria jogar a economia para baixo. O BC agiu corretamente. Realmente, a retração da economia está bastante forte, motivada por muitos fatores.
Mas a questão não é de papel, uma vez que o único mandato do BC é perseguir a meta de inflação?
Não acho que descumpra o papel. A justificativa do BC para não mover é de que não adiantaria para a redução da inflação. Enquanto houve a possibilidade de o BC baixar a inflação, fez esse processo. Por isso, pode ter justificativa para não mexer na taxa dentro da própria diretriz. Elevar a taxa agora não ajuda a controlar a inflação e prejudica ainda mais o declínio da economia. Mas vai levar chumbo, porque o que quer que fizesse, seria criticado.
Leia mais sobre economia
Está escolhendo mais inflação em vez de mais recessão?
Não acho que esteja escolhendo mais inflação. A alta de preços já está dada, e em um nível relativamente alto. Se aumentasse o juro, não ia mexer com a inflação. A economia brasileira é muito indexada, muito rígida. Tem de ter calma para isso funcionar. O BC não está abrindo mão do seu mandato, que é controlar a inflação.
Ao não agir, não assume o risco da perda de controle da inflação?
O maior risco de perda de controle é o contrário. Se aumentasse o juro, iria impor sacrifício maior ainda à conta financeira, à conta de juro do setor público. Isso cria um ambiente de incerteza e, aí sim, a inflação tende a aumentar ainda mais. É um aspecto da dominância fiscal, que tem um risco de aumentar a instabilidade e deprimir as expectativas. Estamos em situação muito difícil. O que o BC eventualmente vai fazer, se mantiver a taxa, é esperar mais tempo para ver se o que já fez vai dar resultado. E essa não é uma taxa baixa. Em uma economia muito indexada, o efeito do movimento da taxa de juro leva mais tempo (o tempo estimado é entre seis a nove meses). É mais isso do que propriamente abandonar a meta de inflação.
O presidente do BC já afirmou que não quer outro ano com inflação acima do teto, como em 2015. Será possível?
O horizonte para garantir que a meta de inflação vai ser cumprida pode ser mais longo. Se acha, por outro lado, que não consegue mexer na inflação com aumento de juro, vai ter de projetar um prazo maior. A cartada já foi dada pelo BC, o juro já foi elevado. Mas a economia está em pandarecos, não só pela elevação da taxa de juro ou da Operação Lava-Jato. É como se um BC 2 estivesse atuando. Tudo isso deu muito problema para a economia. Vamos ver até onde isso vai. O princípio de que, enfraquecendo a economia, a inflação cede ainda está de pé, mas eventualmente em prazo um pouco maior.
E nesse início de 2016 a situação externa também se complicou, não?
E pode complicar mais. Para o Brasil, o setor externo melhorou em decorrência da recessão. Estávamos com déficit externo na casa dos 4%, hoje está mais para 2%. Mas agora, a questão internacional pode agravar nossa situação, tira um grau de possibilidade de ter crescimento maior a partir de exportação. Ainda é uma boa aposta, mas o mar não está para peixe. Vai criar restrições ao nosso crescimento. A queda no preço do petróleo tem efeito benéfico em país que é importador de derivados, mas também foi feita uma aposta de produção e investimento a longo prazo na produção de petróleo, então também é muito ruim. Se olhar grandes símbolos de apostas que o Brasil fez hoje estão em situação muito desfavorável. Os preços do minério de ferro caíram muito, a empresa que iria tocar programa ambicioso de exploração de pré-sal está em situação extremamente difícil. O mundo mudou. O preço do petróleo foi lá para baixo, o mundo das commodities já não dá aquela grande contribuição que dava ao nosso dinamismo econômico. Mas temos de fazer aposta na exportação para tentar recuperar o dinamismo interno, porque o externo está difícil.
Qual a situação mais complicada, a interna ou a externa?
Ainda é a interna, porque é mais fácil de ser solucionada, está na nossa mão. Basta apenas que o mundo político se entenda.
Esse estresse nos mercados globais é só uma turbulência passageira ou pode ser mais complicado?
Pode ser mais complicado se tiver muitas implicações sobre as finanças das empresas. É o caso da exploração de petróleo nos EUA. Tudo foi financiado a rodo e, de repente, virou mico.
Esse seria o estouro da bolha do shale gas e do shale oil?
Ninguém até agora chamou de bolha porque não se imaginava que fosse ser esvaziada. Caso redução de preço se mantenha, tem implicações. Tem de ver como o mundo e o sistema financeiro vão se comportar diante dessa mudança de preço dramática no petróleo. O mesmo em relação ao valor da moeda americana e do que será feito com economia da China. O mundo realmente hoje está em encruzilhada econômica de muita gravidade, que pode se desdobrar em crise de proporções muito fortes. Esse tipo de crise ocorre quando é afetado o sistema bancário.
Mas não seria outro 2008, como sugeriu George Soros, seria?
Em 2008, parte do sistema bancário quebrou. Quando há quebras em intensidade forte, sobra pra tudo que é lado. Isso é uma crise, uma explosão da confiança, e se traduz em contágio para todos os campos. O quadro que temos, com mudança de preços do petróleo e das commodities, com desvalorização muito forte de ativos, pode ter implicações no sistema bancário e gerar uma crise com a mesma capacidade de 2008 para transbordar para a economia real. Pode ser como 2008. Mas quero crer que isso não vai ocorrer.