Uma amiga chegou mostrando sua bolsa nova de uma marca tradicional. O alvoroço se fez, e, embora não fosse assunto para mim, fui conferir. Queria saber o que tinha para custar tanto. Examinei as ferragens, as repartições do interior, os mecanismos da alça e só deparei com trivialidades.
Então, me dei conta de como estava errado, investigava com olhos pragmáticos de engenheiro. Aquilo não era uma ferramenta, e sim um símbolo.
É óbvio, a bolsa é o acessório feminino por excelência. É praticamente o duplo anímico da dona, a representa, portanto, é natural custar caro.
Qual período teria moldado os símbolos arquetípicos da nossa condição identitária?
Meu raciocínio não se pauta na moda, mas sim na história. Quando se pergunta a arqueólogos e antropólogos quais foram as ferramentas decisivas na aventura humana, a bolsa, ou a cesta, é sempre lembrada. Para os hominídeos, a possibilidade de carregar mais do que as mãos seguravam era decisiva.
Recordando, os homens saíam para caçar e as mulheres e crianças coletavam. A propósito, um estudo com povos que ainda agem assim descobriu que a coleta corresponde a mais da metade da comida do grupo. Portanto, essa história da mulher cozinhando o alimento que os homens traziam só funciona em dioramas de museus de História.
Generalizações são complicadas, mas, na maior parte dos povos, eram as mulheres que usavam cestas. Homens portavam as armas e a caça, mulheres coletam com balaios. Em muitas culturas, desenvolveu-se um tabu: não se podia tocar nos objetos do outro sexo. Como se ele fizesse parte e fosse a extensão da identidade do proprietário.
Concordo que há muito nos afastamos desse período. Mas lembre que essa fase, dita primitiva, corresponde a 99% da nossa história como espécie. Desde a revolução da agricultura, 9 mil anos atrás, basicamente a história que conhecemos, constituem apenas o um por cento restante. Então, qual período teria moldado os símbolos arquetípicos da nossa condição identitária?
Acredito que as bolsas femininas atuais são a sublimação da arcaica e imprescindível cesta coletora, aquela que trazia o parco alimento para todos, em uma vasta jornada na qual se vivia no limiar da fome. Por isso, ainda hoje, mesmo que não haja necessidade, as mulheres não saem sem elas. A bolsa está ali, memória inconsciente de sua missão de provedoras. Elas talvez imaginem que são mais mulheres com a bolsa ao lado e, se acreditam, devem ser mesmo.
Quem sou eu para falar. Posso esquecer de vestir a cueca, mas não saio sem um canivete no bolso. Viajar de avião tornou-se uma tortura, sou separado de meu objeto mágico. E aqui o problema dos inseguros homens atuais: tente andar com uma lança, uma azagaia, uma clava, uma espada, uma alabarda, um dos tantos duplos psíquicos, símbolos da masculinidade primitiva. É confusão na certa. Nisso as mulheres têm mais sorte...