Um jovem casal amigo resgatou uma cadelinha da estrada. Terrinha, esse é o nome, evoca a imagem plástica do adjetivo desmilinguido. Quanto ao caráter, revelou-se uma doçura, porta-se como uma cinderela agradecida, adequada a todos os eventos.
Os dois são muito seguros, por isso podem pegar uma vira-lata. Já eu, que sempre me senti um vira-lata, gosto de cães de raça. Em minha defesa, quanto aos gatos, como é o caso da Cora, minha gata, gosto dos sem pedigree.
O namorado da minha caçula adotou uma gata de rua caolha, a Cúmbia. Embora exista dúvida sobre quem adotou quem. Vá saber em que encrenca ela perdeu um dos olhos. Mas se adaptou à sua condição pirata e agora leva uma preguiçosa vida caseira. Outra vez, os dessa nova geração são melhores do que eu: não se importam com a beleza do animal. A condição precária não lhes faz resistência para a adoção. Não se trata de uma extensão narcísica, de um animal que lhe seja um duplo e que sinalize seu glamour.
Não são casos isolados. Vejo uma tendência a adotar animais da rua em detrimento de comprar os de raça. Reajo dizendo que de um animal da rua nem sempre sabemos de que tamanho ficará, nem qual índole irá prevalecer. Nos de raça, embora não seja seguro, há uma maior possibilidade de conhecermos o produto final. Mas nem sei se acredito nos meus argumentos.
O contexto do primeiro encontro entre essas duas espécies que passarão a viver juntas assume um caráter romântico. Eles querem ser coerentes com os valores que escolheram para si, como do gesto de acolher aquele que sofria na rua.
Fui muito feliz com um schnauzer, dois buldogues franceses, uma terrier pelo de arame, um pastor-alemão. Fico em dúvida se meu coração teria amado um vira-lata. Gosto de cachorros feios, meu sonho é ainda ter um bull terrier, que parece uma anomalia genética. Não é portanto uma imagem de fofice que busco, mas uma garantia de forma, de aptidões específicas, de uma história daquela raça.
Essa nova geração também busca história, mas a sua, a que se fez na adoção do animal. O contexto do primeiro encontro entre essas duas espécies que passarão a viver juntas assume um caráter romântico. Eles querem ser coerentes com os valores que escolheram para si, como do gesto de acolher aquele que sofria na rua.
Antes, quando se escolhiam animais de raça, ainda havia o relato do porquê desse em particular entre uma ninhada, ou mesmo entre outras ofertas comerciais. Digamos que se ganhou em poesia e qualidade humana, pois, veja só, quando se tem um filho, é complicado imaginar que poderíamos escolher-lhe os atributos e aparência, como garantia prévia de seu status social.
Forçando o paralelo: nenhum de nós é "de raça", mesmo os que tiveram berço de ouro. Esses animais de rua são tão SRD como nós. Contam com algo melhor que um certificado de nobreza: a história da sua origem, do encontro com seus futuros donos e a certeza, a priori, de que ele não será, nem precisa ser, perfeito. O que mais poderia querer uma criança ao nascer?