Os dragões se foram. Não temos mais que matá-los para conquistar princesas. Porém, para manter nosso poder de salvadores destemidos, as mulheres gentilmente nos ofereceram um substituto de bolso. Embora significativamente menor, é tão asqueroso como e pode surgir em qualquer lugar e hora. Este elemento surpresa, aliado ao fator de que são praticamente infinitas, evoca o pavor draconiano arcaico. A barata é o novo dragão.
Minha expertise de décadas como aniquilador de Blattarias e assemelhados autoriza-me aos conselhos que seguem:
a) Não demonstre medo e seja automaticamente proativo. Ao grito de barata, saia para a missão. Um titubeio e outro assumirá como matador alfa.
b) Um matador puro-sangue improvisa a arma com os elementos do entorno. Aqui estamos na parte criativa do processo. Os melhores escolhem materiais descartáveis, ou laváveis, pois a arma ficará contaminada, quando não inutilizada. O uso de vapores químicos venenosos é considerado uma vacilação. Para desentocar o inimigo, pode ser perdoado, mas a arte correta pede morte por traumatismo.
Esses dias, vi uma princesa fulminando com perfeição um desses insetos. Para terror das baratas e alívio humano, elas agora também empunham suas armas
c) O golpe certeiro. Nesse quesito muitos se perdem. Nem tanto por errar o golpe, o que pode ser relevado, mas pelo excesso de força. Excitados pela missão, os novatos espelham o horror da vítima e pesam a mão. A barata se transforma em purê de barata, algo mais nojento do que o produto inicial. É o momento do sangue-frio e da perícia técnica. O golpe deve ser forte para matar, mas suficientemente brando para que se mantenha a gosma dentro do exoesqueleto. Para ganhar carteirinha, permite-se uma pata ou antena separada do corpo, mas só.
d) A batalha não acabou. O neófito comemora a morte da besta, mas não vê que a plateia segue incômoda. Venceu a rastejância, mas não a repugnância. Há um cadáver espasmódico que conspurca a cena. Por isso, existem os que insistem que a palavra correta seria exterminador e não matador. Afinal, depois do óbito, o serviço bem feito pede a remoção total do ofensor. Só assim, a pureza e a paz original serão restabelecidas. A carcaça deve ser apartada do local do embate, de preferência por caminhos sem volta, como uma descarga. Na lixeira, último caso, deverá estar hermeticamente envolta para não sujar o lixo.
Feito isso, agora, sim, o herói pode colher os louros. Porém, não é bem recebido pavoneamento exagerado. Um matador deve manter a frieza após a missão, com ar de quem diz: estou atento, pode haver outra, contem comigo.
Esses dias, vi uma princesa fulminando com perfeição um desses insetos. Para terror das baratas e alívio humano, elas agora também empunham suas armas. Sem dúvida uma evolução da espécie, mas como fica o nosso poder? Definitivamente, o mundo não é o mesmo...