Quando visito o Uruguai, dou uma passada nos cassinos. Não jogo, o que me atrai são os jogadores. Há anos os observo e tive a oportunidade de escutar quem já se embretou nessa desventura.
Muitos são os jogadores e inúmeros os motivos para apegar-se ao vício. Mas existem linhas de força comuns. O acaso que o jogo proporciona funcionaria como um oráculo da sorte. Eles perguntam se serão os escolhidos, os preferidos, os mais amados. Claro que não se dão conta conscientemente enquanto a fazem, emocionalmente vivem a pergunta e essa é a sensação envolvida.
A quem eles perguntam? Ao destino, aos deuses, a tudo que é misterioso nos desígnios do acaso. Suas apostas são um eterno "mal me quer bem me quer", sendo o jogo a margarida desfolhada. Nunca se conformam com a resposta, e seguem indagando, dando mais uma chance aos deuses para que olhem para eles.
Democracia significa suportar que quem queira errar possa errar.
O mecanismo de prazer engata na promessa de obter um sim, mas não é necessário ganhar para obter um veredito. Perder pode ser a resposta que a alma depressiva espera. A derrota confirmaria que ele não é o mais amado dos filhos, que não recebeu dons, que não é atraente ou carismático. Porém volta para saber quando isso mudará, quando as potências ocultas serão benevolentes, quando virá o que ele supõe que merece. Vai que uma força externa conserte o que ele deveria fazer.
Quando ganhamos algo porque merecemos, é justo, é bom, mas o ganho sem mérito é que seria valioso. Esse acaso confirmaria o jogador como o escolhido, o eleito.
Os mecanismos de autoengano vão ao limite para essa turma, nunca assumem o fracasso. Dizem que entre ganhos e perdas estariam no empate e ainda se divertem. Se crermos nelas, os cassinos doariam dinheiro para funcionar.
Lembro meu avô perguntando qual o pior vício: fumar, beber ou jogar? Emendava dizendo jogar, pois quem joga fuma e bebe. A mensagem era clara, ligava o jogo à mais baixa das fraquezas. Fiquei sensibilizado com a coluna do Flávio Tavares, na semana passada, sobre o jogo. Eu e meu avô assinaríamos, mas receio que o jogo seja como a droga: já chegou. Por baixo dos panos, os dois atuam por toda a cidade e o que eles trariam de ruim já trouxeram.
Muitos pensam que regular os vícios seria uma capitulação e que daríamos chances para eles encontrarem novas vítimas. Não é assim. Nos países que flexibilizaram as drogas e o jogo, ao fim acabam tendo o mesmo número de usuários. O objetivo é diminuir o poder das máfias e a corrupção de quem coíbe.
Democracia significa suportar que quem queira errar possa errar. Nossa espécie não é muito sábia, e é tolo impedir quem escolhe o erro pois eles o farão apesar de tudo. Existem aqueles que só aprendem caindo mais de uma vez. Entendo a regulamentação dos vícios como uma redução de danos. O que ocorre na luz é mais fácil de combater.