Em uma das primeiras viagens que fiz sozinha, percorri 70 quilômetros em cinco dias pelo Parque Torres del Paine, na Patagônia chilena. Era a segunda vez que fazia um trekking intenso – a primeira havia sido a trilha inca, no Peru – e aquela sensação de caminhar sem fim, olhando para uma das paisagens mais incríveis da América do Sul, sempre me deixou com uma vontade de poder viver de novo aquilo: um silêncio sem fim e que renova.
Naquele instante, não imaginava que a corrida pudesse me proporcionar um sentimento parecido. Recém tinha começado a correr e, aos poucos, fui descobrindo nesse esporte um espaço de fuga. Uma brecha no tempo em que podia sentir um "desligamento" do resto ou estar ligada no que eu quisesse, com a mente voando solta. Correr era como meditar.
Às vezes, no meio de um treino, eu conseguia me colocar nessas paisagens, lembrar da cor verde-esmeralda dos lagos patagônicos, mesmo que a trilha de verdade fosse o asfalto.
Não faz muitos dias, resolvi tentar pela segunda vez participar de uma corrida de trilha, e deixar que a natureza estivesse ali de verdade, não só na memória. Como esse mundo é todo muito novo para mim, confirmei a inscrição na prova menor, de sete quilômetros, em um evento muito bem organizado em São Francisco de Paula.
Conversando com quem já faz esse tipo de treino ou prova há mais tempo, percebe-se que é como um pequeno vício: quem faz uma, duas vezes, quer fazer muitas mais. É desafiador porque, ao mesmo tempo em que é corrida, é diferente de correr pelas ruas da cidade.
O tempo passa de um jeito diferente. Era difícil entender por que alguém que estava acostumado a fazer uma maratona em menos de quatro horas, por exemplo, pode levar quase o dobro para fazer a mesma distância em uma prova de trilha. O terreno que varia a todo instante, a elevação para cima ou para baixo fazem o pace de cada quilômetro ter uma nova dimensão. É preciso aprender novas maneiras de hidratação, descobrir que as habilidades, a técnica e a preparação variam, concentrar-se mais no percurso – que tem pedras, galhos, lama –, saber que existem aparatos próprios para a prática, em especial o tipo de tênis, que precisa ter maior aderência para enfrentar a variação de solo.
E ao ouvir esses praticantes, também fui perdendo essa visão de que, para quem mora em Porto Alegre, é mais difícil treinar para esse tipo de prova. Tenho amigos no Rio de Janeiro que amam as corridas de trilha, mas sempre pensava: "Claro, no Rio é bem mais fácil, com a Tijuca pertinho, e outras trilhas no meio da cidade". Sem dúvida é. Mas o porto-alegrense que gosta de natureza e estiver afim não fica para trás. Hoje, uma série de grupos de amigos se junta para correr em alguns morros da cidade. Com isso, não apenas garantem o treino e o contato com a natureza, como ocupam espaços da cidade que são esquecidos. E estreitam laços de amizade por meio do esporte.
Para quem ficou curioso e quer saber de provas do tipo feitas no Estado, vale conferir algumas que são bons exemplos: audax4.blogspot.com.br, trilhasemontanhas.com.br e trailrun.faccat.br.