Todas as certezas são relativas, e essa se tornou minha certeza absoluta dos últimos dias. Há umas três semanas, quando eu travei diante das páginas em branco de um trabalho acadêmico, ansiosa com a possibilidade de que não resultasse em algo bom, minha terapeuta me disse: "Tens de ter convicção que tu consegue fazer. A gente nunca pode saber com certeza se vai conseguir ou não, mas é preciso confiar nesse poder, do contrário, empaca mesmo".
Usain Bolt, o homem mais rápido nos 100m, dono do recorde mundial, não era um atleta muito disciplinado quando começou a competir, em provas de 200m e 400m. Apesar do talento visível e das medalhas desde cedo nas competições juvenis na Jamaica, ele sofreu com contusões no início da carreira, não se alimentava bem e volta e meia causava dor de cabeça para seu primeiro técnico, Pablo McNeil. Foi por volta dos 20 anos que ele começou a insistir com o técnico Glen Mills em disputar a prova dos 100m, a queridinha do atletismo mundial.
Mills achava que ele não tinha porte físico para isso – Bolt tem 1m96cm de altura, quando a média dos medalhistas dessa prova era de 1m79cm –, e era ruim de largada. Mas o mito jamaicano continuou insistindo, pedindo que Mills deixasse que ele fizesse apenas uma prova. Se ele fosse mal, poderiam esquecer aquilo. Então, ele fez 100m em incríveis 10s03 em 2007.
Dali para o recorde mundial, de 9s58 em Berlim, em 2009, depois de um feito incrível na Olimpíada de Pequim de 2008, ganhando com muita folga, ao marcar 9s69, de todos os preferidos na disputa, como o conterrâneo Asafa Powell. Desde então, ninguém superou o "raio" em uma das provas mais famosas dos Jogos Olímpicos.
Sem a convicção de que poderia, sendo um atleta fora do padrão, talvez ele nunca tivesse aquela medalha de ouro de Pequim no peito, e a gente jamais teria visto um dos momentos mais incríveis do esporte.
Antes de sentar à frente do computador e conseguir fazer fluir o tal trabalho, lembrei dos meus treinos para a primeira maratona, em 2012. Eu tinha completado apenas duas de 21km até então, havia começado a correr havia quatro anos, mas eu queria muito tentar. Foram quatro meses de treinos intensos, com um ou dois dias de descanso na semana, de mudança de rotina, alimentação e comportamento. Mas se tratavam apenas de expectativas, esse friozinho na barriga que move a gente. Eu não sabia se eu conseguiria, mas tinha essa convicção de que eu podia tentar, de que, do lado da minha timidez característica, também tinha lugar para a audácia.
Para quem acha que os 42km da maratona é algo muito extenuante e volta e meia me pergunta qual é a pira de se submeter a isso, eu lembro sempre desse sentimento de quando se termina a prova. De quanto medo estava investido ali, mas também de quanto foco e vontade de trapacear tudo que nossa mente por ocasiões nos diz em contrário. Às vezes, pode ser que não dê mesmo. Mas para correr o risco de dar certo e ter o nosso dia de Bolt, guardadas as grandes diferenças de proporções, é preciso dar a largada – ou inaugurar a folha em branco.