A semana que passou trouxe novos e interessantes episódios sobre a corrupção que assola o país. Particularmente a operação "Carne Fraca" – nome genial como observou Verissimo – ofereceu outra evidência de que o problema é bem mais amplo e complexo do que se costuma imaginar.
Depois das grandes empreiteiras e do "departamento de operações estruturadas" da Odebrecht, refinado eufemismo para uma central de corrupção que comprou governantes, parlamentares e outros agentes públicos no Brasil e no mundo; depois da ruína do império de Eike Batista, que chegou a figurar na lista de bilionários da Forbes; depois do presidente da Fiesp, Paulo Skaf, aquele que bancou o pato inflável nas mobilizações pró-impeachment de Dilma, ser citado na Lava-Jato como beneficiário de R$ 6 milhões "não contabilizados" em sua campanha pelo PMDB; depois das suspeitas levantadas pela Operação Zelotes de compra de decisões no Conselho Administrativo de Recursos Federais (Carf) e de tantos outros casos envolvendo grandes empresas mergulhadas em falcatruas de todo tipo, parece evidente que parte expressiva do PIB nacional praticou e pratica, de forma reiterada e sistemática, graves crimes contra o povo brasileiro. Também contra outros povos, se deve lembrar, como assinalei nesse espaço, em janeiro de 2015 (no texto "Em nome de Hùng"), comentando a venda, por produtores gaúchos, de trigo contaminado para países asiáticos e africanos.
Pois bem, pelo linguajar comum, autores de ilícitos penais são descritos como "bandidos" e, para muitos brasileiros, como se sabe, "bandido bom é bandido morto". Partindo desse fato, pergunto: a conhecida frase em favor da morte expressa alguma coerência? Se a resposta for sim, por que razão seus entusiastas não propõem que a polícia atire nos corruptores? Alguém entre aqueles que repetem os mantras da irreflexão e da intolerância estaria disposto a aplaudir a execução de empresários bandidos?
É curioso. Frente às evidentes repercussões econômicas do escândalo revelado pela operação Carne Fraca, as elites econômicas e políticas articularam um discurso único: a Polícia Federal teria feito um espetáculo e sua ação teria sido irresponsável, provocando prejuízos imensos ao país. Por "culpa da Polícia", assim, vários países suspenderam temporariamente a compra da carne brasileira; o que poderia ter sido evitado se tudo tivesse sido tratado de outra forma. Aham. E como seria essa "outra forma"? Talvez um processo tramitando em segredo de Justiça? Talvez o cuidado para que a "lista suja" de frigoríficos e empresas não fosse divulgada, assim como o governo federal tratou de fazer com as empresas flagradas empregando trabalho análogo ao escravo?
Ora, quando tratamos de um produto de consumo de milhões de pessoas, as considerações de ordem econômica, por mais importantes que sejam, não são as únicas. É preciso pensar, bem antes, por exemplo, na saúde pública. Neste particular, é fundamental que os consumidores sejam alertados sobre os riscos do consumo e que saibam que um grupo de empresários ordinários corrompia um grupo de funcionários ordinários, o que, por sua vez, assegurava dinheiro para um grupo de políticos ordinários. Todos bandidos.
Parabenizo a Polícia Federal e digo que, como brasileiro, tenho orgulho do trabalho que ela tem feito. A culpa pelos eventuais prejuízos econômicos não é do mensageiro que traz a notícia ruim, mas de quem a produziu. "Espetáculo policial" é quando uma manifestação pacífica é dispersada com bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo e balas de borracha. Para quem nunca esteve em um desses shows, asseguro que eles são, digamos, eletrizantes. "Ação irresponsável da polícia" é quando servidores sem formação profissional atiram contra os ocupantes de um veículo que ultrapassou uma barreira e matam um motorista que não parou porque não tinha habilitação, ou quando tiroteiam contra "marginais" em via pública com intenso fluxo de pedestres.
A reação média diante dos delinquentes ricos no Brasil mostra que a frase aquela, tristemente célebre, promotora da morte, é também um poço de demagogia.
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