As revelações de Cláudio Melo Filho, o primeiro entre as dezenas de executivos da Odebrecht que negociaram delações premiadas, atingiram o Governo Federal em cheio. O próprio Temer teria pedido ao então presidente da empreiteira, Marcelo Odebrecht, R$ 10 milhões para o PMDB, em jantar no terraço do Palácio Jaburu, em 2014. Márcio Faria, outro dos dirigentes da empresa, relatou que Temer e Eduardo Cunha teriam pedido recursos em 2010, em troca de vantagens em contratos com a Petrobras. As afirmações seriam ruins em qualquer contexto, mas, para um presidente destituído de legitimidade, são pavorosas e não há mesóclise ou brocardo latino que resolva.
Houve um tempo em que a corrupção era vista a partir de metáforas como a da "maçã podre". Desde a Lava-Jato, parece claro que a podridão está no cesto. O que as delações estão trazendo à tona é a realidade de um amplo sistema de privatização de mandatos montado há décadas. Funciona assim: deputados e senadores – e presidentes e vice presidentes, pelo jeito - se empenham em aprovar leis que assegurem às grandes empresas novos mercados e lucros extraordinários. Lutam muito, também, para evitar a aprovação de qualquer proposição que ameace os interesses daqueles grupos econômicos. Por essa determinação, são compensados com milhões de reais. O senador Romero Jucá, identificado como "Caju" pelo "Departamento de Operações Estruturadas" da empreiteira, teria recebido, ao longo dos anos, cerca de R$ 22 milhões. Outros, como o inefável Geddel Vieira, reclamavam que não eram devidamente "valorizados". Se "mensalão" foi o nome dado a pagamentos para soldar uma base alugada durante o primeiro mandato de Lula, como chamar as importâncias distribuídas na escala "Caju" (ou "Caranguejo" ou "Angorá", a lista é longa) em governos anteriores?
Vários são os líderes do PMDB apontados como beneficiários do esquema. Também o PSDB foi atingido com os relatos envolvendo os nomes de José Serra e Geraldo Alkmin. Detalhe: as importâncias mencionadas dizem respeito a uma pequena parte dos valores desembolsados pela Odebrecht. Além disso, há as outras construtoras e todos os demais ramos econômicos com interesses a preservar no Congresso. Eduardo Cunha, por exemplo, era "o homem das Teles", ou seja: aquele que cuidava dos interesses das grandes empresas de telefonia celular. Há representações políticas no Brasil para todos os grandes ramos empresariais e a regra é que os resultados alcançados pelos representantes são recompensados com fortunas privadas. Em síntese, os eleitores imaginam que escolhem alguém para representar o interesse público, mas, clandestinamente, os mandatos são sequestrados pelo mercado. Mandatos públicos existem, é claro, mas são cada vez mais raros.
Os negócios entre criminosos de fino trato sempre foram abordados no Brasil com eufemismos. Empresários sem-vergonha e políticos da mesma estirpe não são chamados de "bandidos" e, como regra, não são punidos. As coisas começaram a mudar com a Lava Jato, mas o desfecho dessa história segue em aberto. Quem acreditou que o PT era o responsável pelos "maiores escândalos de corrupção do país" sabe da missa bem menos da metade. Os petistas, por sua vez, que acreditaram em uma conspiração universal contra o partido e que consideram Sergio Moro a encarnação do capeta, seguem sem tempo para autocríticas. Comemoram cada denúncia da Lava-Jato contra os "golpistas", seus antigos aliados, engolindo seus próprios protestos sobre vazamentos seletivos e garantias individuais. Agora, Temer é quem ocupa o posto da indignação garantista, secundado, no STF, pelo comentarista Gilmar Mendes que anuncia a possibilidade de anulação dos processos da Lava-Jato.
Os vazamentos, como se percebe, não são seletivos, pelo menos não no sentido político-partidário, já os argumentos são como frutas e se colhem de acordo com as estações, algo assim como uma "dialética tropical".
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