A morte de Plínio Zalewski diz algo importante sobre a política que se pratica no Brasil. Plínio foi um sujeito particularmente inteligente e sensível. Iniciou sua militância na Causa Operária, em um tempo de radicalismo e luta contra a ditadura. Foi militante do PT por muitos anos, tendo participado da experiência da corrente Nova Esquerda que ofereceu um importante balanço crítico do marxismo e da tradição socialista, ainda que sem qualquer audiência no partido. Naquela época, Plínio foi meu assessor na Assembleia Legislativa e nos tornamos amigos. Depois disso, desiludido com o PT, se filiou ao PPS e, posteriormente, ao PMDB. Adquiriu experiência na gestão pública, tendo coordenado iniciativas estratégicas na prefeitura, com Cézar Busatto e, no governo do Estado, com Fernando Schüller. Leitor de Hannah Arendt, Victor Serge e Robert Musil, sempre impressionou as pessoas pela qualidade de suas reflexões e por sua integridade moral. Em 2012, candidatou-se a vereador em Porto Alegre, tomando a decisão de não aceitar contribuições de empresas (quando isso era legal). Para ele, tratava-se de afirmar os princípios em favor de uma nova política. "Todo conteúdo tem sua forma", dizia. Apaixonado pela Luciane, era sempre sorriso e orgulho cada vez que falava das filhas, Elleonora, do primeiro casamento, e Marina e Carolina. Por que uma pessoa assim tomaria a decisão de se matar? Natural que a história toda parecesse estranha, incompreensível, inaceitável. De alguma forma, sempre o será. As evidências, não obstante, apontam para suicídio.
As pessoas que estavam ao lado de Plínio na campanha de Sebastião Melo relatam que ele se abalou muito com o vídeo que o MBL fez. MBL é a sigla de um grupo de extrema direita, uma espécie de UDN jovem com prestígio entre os tigres. Um sujeito, vindo de São Paulo, montou um vídeo nojento, acusando Plínio de fazer campanha no horário do expediente da Assembleia. O material foi postado nas redes sociais e teve milhares de acessos. A campanha de Nelson Marchezan entrou com três processos judiciais contra Plínio e ele passou a relatar que sua página no Facebook havia sido invadida e que estaria sendo seguido e filmado. Para o advogado Ricardo Giuliani, Plínio disse que se sentia ameaçado e que temia por seus familiares, registrando ocorrência policial nesse sentido. As pessoas reagem de forma diferente a situações do tipo e é possível que o quadro tenha disparado o gatilho para a desistência. Caso tenha sido isso, já não era exatamente Plínio quem decidia suspender a palavra, o recurso no qual sempre acreditou. Havia ali, no sujeito em retirada, alguém trucidado previamente pelo tipo de disputa que se tornou comum no Brasil e que fez da política um espaço privilegiado para a atuação de grupos mafiosos.
Políticos tradicionais, escolados pela guerra e orientados pela destruição do outro, costumam não se abalar com acusações que envolvem sua reputação. Para muitas pessoas honestas, entretanto, acusações morais – que implicam a integridade do sujeito, não suas ideias ou posições políticas – podem ser aterrorizantes. Vivemos em um ambiente social onde se tornou comum que as pessoas agridam moralmente as demais sem qualquer embaraço. A estupidez que se repete nas redes sociais, onde ignorantes convivem em bolhas degradadas pelo ódio e pelo preconceito, transforma a intolerância em paisagem. Esse fenômeno obscuro começou a ser mimetizado na esfera pública com a mesma naturalidade. Assim, a ausência de conteúdo é preenchida pelo açoite moral; o espaço deixado vago pela falta de referências culturais é ocupado pelo achincalhamento e a fala se transforma em um regurgitar de chavões cujo tom jocoso só denuncia a ausência de pensamento. Plínio não suportava isso.
Por sua memória, pela dignidade de sua postura, em nome da delicadeza com a qual Plínio sonhava com a boa política, votarei contra a imbecilidade e o fascismo no próximo dia 30. Um voto contra uma possibilidade trágica inscrita no futuro de um país que parece ser, cada vez mais, o ambiente ideal para os tigres.
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