Após acompanhar incontáveis embates políticos, formei uma convicção: não há ataque a adversários mais eficaz do que a exposição crua dos atos do alvo das críticas, o popular tiro no pé. Quando esses atos saem do plano do razoável para serem regidos por uma escala que vai do exagero ao estrambólico, o desgaste de imagem pode ser devastador.
Hoje, ninguém sabota mais a imagem de Alexandre de Moraes do que ele próprio. Numa gradação que foi perdendo o senso de medida contra a ameaça de golpe já há quase dois anos, o ministro incorporou o messianismo de um salvador da pátria e se deixou levar para o poço onde se imolam reputações. Com seus limites borrados, Moraes passou a inventar ritos legais, como punir todos os acionistas da Starlink porque Elon Musk é um dos proprietários. No fim, acabou substituindo o bisturi pelo martelo em cirurgias jurídicas de um não declarado estado de emergência judicial.
Aos olhos do mundo, Moraes furou o teto do bizarro e, sacramentado por colegas de toga, escorregou no ridículo ao proibir que brasileiros acessem o X via VPNs
Moraes pode ter, e tem, as bases legais para banir o X do Brasil, uma vez que a lei determina que todas as plataformas devem manter representante no país. O problema não está aí, mas na origem da espiral de abusos que se acumulam desde que ele passou a enfeixar os poderes da República. Não tivesse Moraes emitido decisões secretas, censurado um senador, por mais vil que seja, e a filha de um desafeto da democracia, provavelmente não teria dado palco para o ego infinito de Elon Musk, oxigenado as ventas da extrema direita e contribuído para engordar as manifestações deste sábado.
A questão pode parecer complicada mas no fundo se trata de uma lógica simples. Pela Constituição, não há — ou não poderia haver — censura prévia no Brasil. Em abusos da liberdade de expressão, a punição deve ser, portanto, a posteriori, como na incitação a crimes. A priori, a censura só existe neste infindável e enviesado inquérito das fake news. Agora, como ocorre em países autoritários, se cassa também o direito de 22 milhões de brasileiros se expressarem e obterem o conteúdo que lhes aprouver em uma rede social, por mais nauseabunda que tenha se tornado.
Elon Musk não merece crédito em sua defesa seletiva da liberdade de expressão. Mas, aos olhos do mundo, Moraes furou o teto do bizarro e, sacramentado por colegas de toga, escorregou no ridículo ao proibir que brasileiros acessem o X via VPNs. Se nem China nem Cuba conseguem conter os dribles no ferrolho estatal, não será no Brasil que surgirá uma manada disposta a cumprir sem piar a censura judicial.
E agora estamos assim: para salvar o Estado de direito plantam-se sementes de um Estado de exceção. Não precisamos dele, nem do redespertar do extremismo por quem se dispôs a enfrentá-lo.