No final da década de 1990, Zero Hora tinha um problema inusitado. Em razão de seu design mais arrevistado e da abordagem de assuntos um tanto ousados para alguns, muitos leitores a achavam demasiadamente moderna ou "sem tradição". Já calejado por um par de anos como diretor de Redação, lembrei-me dos velhos almanaques, geralmente patrocinados por xaropes e outros remédios populares, que lia na adolescência na casa de meus avós Benno e Lucy, em Lajeado. Reservei então uma página ao fim do jornal para levar uma nova seção ao público em 20 de setembro, data da Revolução Farroupilha, de 1999.
Para fazer jus aos antigos almanaques, a seção deveria trazer fotos ou gravuras antigas contextualizadas, uma piadinha rápida, datas comemorativas, o santo do dia, um poema e, se possível, inspirações positivas. Para dar forma e vida à seção, interrompi a aposentadoria de um veterano e meticuloso ex-chefe, Antônio Goulart, a quem coube imprimir a primeira personalidade da coluna, moldada depois por dois gigantes do jornalismo de Zero Hora, o ex-secretário de Redação e editorialista Olyr Zavaschi e o atual ocupante, Ricardo "Kadão" Chaves. Pelas mãos dos três, o Almanaque que nascera para atender a uma parcela mais tradicional dos assinantes acabaria se revelando de enorme popularidade entre leitores de todas as idades, tanto na edição impressa quanto na versão digital em GZH, onde, aliás, o passeio pelas imagens é mais rico e fácil de visualizar.
O Almanaque não havia sido o único movimento para tentar compensar a noção de que ZH era "moderninha demais". O primeiro tinha sido feito cinco anos antes, como parte das comemorações pelos 30 anos do jornal, quando deu-se conta de que, com três décadas, ZH já tinha muita história a contar. Surgia ali a seção Há 30 Anos em ZH – 20 anos depois ampliada para os atuais Há 30, Há 40 e Há 50 Anos.
Trinta anos lá atrás pareciam de fato uma eternidade. Mas quando me pego revendo a cobertura da Guerra do Golfo que realizei por ZH e Rádio Gaúcha, estampada neste final de fevereiro nas capas do Há 30 Anos, é que percebo como o velocímetro do tempo corre sem paradas para tomar café na beira da estrada. Mais curioso – ou decepcionante, como se queira – é constatar que há 30, 40 ou 50 anos muitos dos principais assuntos de então seguem frequentando as capas de ZH e GZH.
O aumento dos combustíveis, os prejuízos da estiagem, os protestos dos professores, as reivindicações do funcionalismo, os problemas da CEEE, da saúde e da violência urbana repetem-se como um constante desafio para o Rio Grande do Sul se reinventar. Quem sabe um dia – espero que não mais 30, 40 ou 50 anos – tenhamos a graça de nos desvencilharmos de um passado que insiste em bater ponto no presente e possamos finalmente alojá-lo com salvas e honras no bom e tradicional Almanaque Gaúcho.