* Jornalista do Grupo RBS
Ao esquadrinhar cerca de 100 mil tuítes com diferentes graus de desinformação sobre o Obamacare e o ebola, uma pesquisa do American Press Institute constatou na prática o que já se suspeitava na teoria: quando se trata de proliferação de notícias falsas, as inverdades se propagam em ritmo oito vezes maior do que suas correções. Segundo a pesquisa, apresentada na semana passada no Congresso Mundial de Jornais, na África do Sul, uma informação delirante leva em média 14 dias para ser corrigida – quando o é.
Embora o estudo não tenha mergulhado nas explicações para o fenômeno, elas podem ser localizadas no campo do compartilhamento social. Há mais charme em se repassar algo misterioso, espetacular ou a que, aparentemente, apenas alguns escolhidos tiveram acesso do que transmitir a outra pessoa um aborrecido e estraga-prazer desmentido.
O mecanismo de estímulo à difusão de inverdades se vale do princípio elementar das teorias da conspiração. Para justificar o fato de que uma desinformação não tenha sido divulgada por meios de comunicação profissionais, o criador da notícia falsa costuma apregoar que veículos e jornalistas estão de alguma forma comprometidos com a situação e, portanto, têm interesse na sua ocultação. Mesmo que fantasiosa, a simples suposição produz uma sensação de confidência compartilhada, o que amplia o desejo de seu consumo e, como ocorre com qualquer fofoca desde que a humanidade se ergueu sobre dois pés, desencadeia a compulsão de se repassar o segredo adiante.
As desinformações que industrializaram as redes a serviço de interesses ideológicos e de ativismos de distintas naturezas também criaram o que se pode chamar de A Grande Divisão. Os absurdos ataques à comentarista Miriam Leitão e os tiros que feriram um senador republicano em um treino de beisebol nos EUA são dois exemplos recentes e concretos dos efeitos tóxicos dos ódios cultivados em canteiros digitais.
Em uma analogia livre, o mundo das redes, nutrido por notícias falsas e pela agressividade dos comentários, passou a se dividir entre vegetarianos e carnívoros. Tudo parecia ir bem nos universos paralelos até que um lado não se contentou apenas em defender seu modo de pensar e viver, e vislumbrou que poderia tentar impô-lo ao outro lado. Um atirou um pedaço de pau, outro reagiu com uma pedra. E assim, com doces vovós transformadas em guerrilheiras digitais, vamos regredindo no rumo da Idade da Pedra da vida em sociedade. Onde isso vai parar, ninguém sabe, mas são baixas as chances de a humanidade avançar nas mãos de neandertais com banda larga.