De forma consciente ou não, passamos a viver em uma constelação de bolhas – ambientes isolados, pouco permeáveis a contatos com pessoas ou grupos que não comungam do mesmo ideário ou estilo de vida. Em razão da difusão das redes sociais, cujo fundamento é exatamente a criação de grupos de afinidade, a humanidade vai se aprisionando a essas bolhas que expurgam vozes dissidentes e visões antagônicas.
Observe o que acontece com quem invade esse espaço imune a opiniões dissonantes, sobretudo em temas sensíveis, como política, futebol e religião. Em geral, não importa a orientação ideológica, o autor é espancado verbalmente e corrido sem piedade, como se um torcedor irrompesse na torcida adversária.
Um dos efeitos colaterais da vida em rede é exatamente a adoção do comportamento de torcida em temas cotidianos, numa luta por corações e mentes que abdica do princípio iluminista da liberdade de expressão – posso discordar inteiramente do que o outro está dizendo, mas defenderei até a morte o direito de dizê-lo. No mundo das redes, o preceito de Voltaire foi adulterado para a defesa do direito de expressão até a morte, contanto que se concorde com o que o outro diga.
Nas redes sociais, ou se é freguês do mercado vegetariano ou do açougue da esquina. Ambos não se misturam e, quando porventura seus frequentadores se encontram, tentam se aniquilar. A intolerância é resultado das chamadas câmaras de eco, as bolhas nas quais os usuários repetem as mesmas ideias e dão infinitos likes a quem pensa de forma similar. Dependendo do grupo e do tema, o status do usuário cresce à medida que ele vai demonstrando pensamento e atitudes cada vez mais radicais. Não surpreende que a intolerância com opiniões distintas esteja em alta até mesmo em antigos santuários da diversidade, como a universidade, ameaçando a convivência democrática e as relações sociais.
Ao se apresentarem como um supermercado de opiniões, os veículos de comunicação que investem em pluralidade de ideias são um dos derradeiros territórios de conversação e apaziguamento. É bem provável que você entre nesse supermercado com uma lista de interesses, mas o jornalismo profissional terá cumprido uma de suas missões se estourar bolhas sem receio de patrulhas ideológicas ou intimidações e atrair novos olhares para prateleiras de pensamento diverso. É pela comparação respeitosa de opiniões e pela reflexão que se produzirão uma melhor compreensão do mundo, uma convivência mais harmoniosa e, em última análise, os avanços da civilização.