Não é só no ataque à globalização que Donald Trump estaciona seu discurso na mesma garagem ideológica da esquerda latino-americana. O novo líder da maior potência mundial ergueu uma muralha de intimidações contra jornalistas e veículos de comunicação assentada em um cimento de rancor similar ao de Chávez e Maduro na Venezuela, de Rafael Correa no Equador e de Lula no Brasil.
Ao se referir a veículos de comunicação como "a mídia desonesta", Trump prega para seus convertidos e produz internamente um efeito reverso. O jornal The New York Times, um dos alvos do presidente, incorporou 120 mil novos assinantes apenas nas semanas seguintes à sua eleição. Esse fenômeno ocorre com frequência em sociedades democráticas. Quando governantes tentam se desviar de críticas descreditando os mensageiros, cidadãos de países com liberdade de expressão tendem a prestigiar veículos que, sem se subordinar a partidos, ou ranços ideológicos, se esforçam por produzir atestados de veracidade independentes sobre o cotidiano das sociedades que os sustentam.
É baseado nesse compromisso que o mesmo The New York Times anunciou nesta semana que, apesar das restrições financeiras, está canalizando US$ 5 milhões para reforçar a cobertura sobre o governo Trump, corretamente definido como um divisor de águas da nova ordem global. E muitos outros veículos, os da RBS inclusive, que enviaram o âncora Daniel Scola para a posse em Washington e mantêm David Coimbra como correspondente nos EUA, se preparam para anos de turbulência na Casa Branca pela frente.
O grande dano do discurso rancoroso de Trump contra os veículos se dá no plano externo. Diante da disposição de Trump de destratar jornalistas e pisar publicamente sobre reportagens incômodas, regimes de força se sentem legitimados nas pressões e atentados contra a imprensa. Afinal, se o líder dos EUA, que têm a liberdade de expressão como mandamento monolítico na constituição, despreza o jornalismo independente, o que resta para as derradeiras vozes autônomas na Turquia, Rússia, Venezuela, Paquistão e tantos outros países nos quais a mordaça é um instrumento corriqueiro do poder?
Com seu linguajar irresponsável, Trump está destravando as portas do inferno e, mais do que nunca, os veículos profissionais e sensatos terão de denunciar e contornar, com firmeza e sem se intimidar, essa muralha indigna do que representa para o mundo o espírito de liberdade dos EUA.