Os barômetros da opinião pública norte-americana falharam miseravelmente porque não captaram um fenômeno em ascensão planetária: o silencioso sentimento de raiva e revolta contra os que, de alguma forma, são considerados privilegiados pelo sistema e responsáveis pelo fato de as coisas não serem tão boas como deveriam ser. Quase sempre amparado em informações falsas ou manipulações estatísticas, esse sentimento sorrateiro se dissemina em velocidade digital pelas redes sociais e, neste ano, já produzira um terremoto na Europa com a saída do Reino Unido da União Europeia.
No caso do Brexit, a revolta era contra uma equivocada e imaginária perda de receitas nas trocas com a União Europeia e principalmente contra as levas de imigrantes que ocupam os assentos dos ônibus, enchem as filas das emergências e levam as vagas de empregos em troca de salários mais baixos. O rancor, por vezes, é um sentimento que recebe tintas de xenofobia e de racismo, como no episódio do Brexit e em grande medida na vitória de Trump. Para boa parte do eleitorado americano, afinal, a culpa de seu próprio insucesso deve ser debitada na conta de inimigos imaginários identificados no discurso de Trump: os mexicanos, os muçulmanos, os acordos comerciais que favorecem as multinacionais, geram empregos no exterior e tiram os dos EUA.
Em outras ocasiões, o rancor se propaga no ambiente antiestablishment, tão eficientemente demonizado por Trump na figura de Hillary Clinton, um ser político nascido e nutrido pelo status quo norte-americano. Lá, o destino das imprecações de Trump era "Washington". No Brasil, esse rancor se volta contra "os políticos" e contra o que Brasília representa, sejam as farras com os cofres estatais, a inércia diante da criminalidade que assombra as cidades ou as benesses de corporações já bem remuneradas que exigem mais dinheiro público quando 12 milhões não têm emprego.
Um dia, a tampa da panela do rancor explode. As ondas de choque podem resultar em uma Revolução Francesa, em uma primavera árabe, ou verter nas urnas que elegeram Donald Trump e, em escala bem mais moderada, também João Doria e Marcelo Crivella.
Graças à solidez da democracia norte-americana, é inconcebível se imaginar que o resto do mundo receberá levas de refugiados norte-americanos. Mas a vitória de Donald Trump acende um sinal de alerta a instituições de todo o mundo: o ovo da serpente se deposita na inação e na falta de sensibilidade e firmeza de quem tem responsabilidade de governar e agir contra o populismo e a degeneração do politicamente correto. A hora agora é de manter a serenidade, mas, mais do que nunca, de acordar para o fato de que a tibieza e leniência de governantes não deitarão para sempre no berço esplêndido da paciência da maioria silenciosa.