A pororoca criada pela carta de Michel Temer a Dilma revelou mais sobre o estilo e a personalidade da presidente do que a indisfarçável mágoa e desejos pueris do vice. Ao lancetar a ferida do desprezo e da desconfiança, Temer acabou desvendando sem querer por que Dilma está onde está, ou seja, nas profundezas abissais da impopularidade enquanto tenta se equilibrar no cargo.
Se o governo fosse uma empresa, Dilma incorporaria uma gerentona dos anos 50, aquela que chefiava com o chicote numa mão e a ameaça de demissão na outra, lixando-se para as opiniões dos subalternos. Com sobra de autoritarismo e escassez de autoridade, o padrão Dilma de governar foi sepultado por um mundo plano, horizontalizado, no qual os líderes dialogam sem parar e são visionários inspiradores que estimulam suas equipes a assumir riscos, a tomar iniciativas e a dizer o que pensam. A presidente, convenhamos, sequer tem uma equipe, mas um amontoado de subordinados divididos em três grupos: os poucos em que ela, seja por afinidade ou necessidade, deposita algum grau de confiança e respeito, os que ela detesta e considera incompetentes e os muitos a quem reserva seu desdém. Temer era tratado como mais um membro dessa última categoria.
Seria injusto carimbar Dilma como alguém intratável. Ao contrário do senso comum, na convivência pessoal é uma mulher culta, sensível às artes, que lê muito e tem uma conversa afável com visitantes e, com frequência, com funcionários mais humildes. O problema é quando ela, para se impor como sucessora de Lula, se acha dona absoluta da razão e desterra os que não a bajulam.
Ao ter de engolir sapos aliados, Dilma se sente sitiada por ineptos ou mal-intencionados, o que é meio caminho andado para a onipotência e as políticas disparatadas que arrastaram o país para o buraco. No fundo, Dilma criou em torno de si uma aura de prepotência e um ambiente sobressaltado por seus famosos ataques coléricos. Em ambientes de terror assim, ninguém desafia a chefe e todos batem palmas até para os desatinos. Mas, com o climão pesado, os subordinados abrem dissidências, falam mal pelos corredores e conspiram entre si. Déspotas imperiais caíam assim, e passavam o resto dos tempos amaldiçoando os traíras.
Se sobreviver ao impeachment, o que ainda é possível, Dilma pode adotar dois caminhos: corrigir seu estilo e engendrar um acordo pela estabilidade política e econômica do país ou destampar a fúria palaciana e enveredar de vez pelo populismo. No primeiro caso, o país chega tenso mas inteiro a 2018. No segundo, é melhor sair de baixo.