Às vezes, paro para pensar – na verdade, faço isso com muita frequência, minha mãe já reclamava, "essa menina sempre no mundo da lua". Naquele tempo, eram sonhos. Hoje ainda são, mas dali resultam trabalhos: poema, artigo, romance. Conto.
Tenho pensado em como simplificar mais a vida, nesta fase que tantos temem, ah, a terrível passagem do tempo – mas por enquanto me agrada. Simplificar a roupa foi fácil, até porque nunca fui modelo de capa de Vogue. Calça comprida, camiseta preta, suéter ou um tipo quimono. Sapato idem, pois sou pesada e com um chatíssimo problema inato na coluna, ótimo é calçado rasinho.
Com o tempo, a maturidade, a experiência e alguma ousadia, fui simplificando várias coisas. Com algumas é difícil, exemplo: as relações pessoais. Não é fácil afastar sem ferir, sem despertar desconfianças, o bom sujeito que liga fora de hora para contar seu drama avisando que devemos escrever sobre isso ou exigindo um artigo de jornal contra algo que lhe desagrada. Aquela pessoa tão legal, que nos últimos tempos só fala de doenças, remédios, rancor contra tudo e todos: sombras de que ninguém precisa a mais na vida. Simplificar as saídas: sou realmente um bicho da minha toca, uma mulher da sua caverna. Minha casa sempre foi minha zona de conforto, por várias razões, inclusive fobias.
Quero poucas pessoas, assim me aflijo menos, eu que sou aflita: parceiro, família, amizades especiais, as fiéis funcionárias que me ajudam na enorme incompetência para o doméstico, e que eu quero bem. Os leitores que me dão tanta alegria com seu carinho. Sou feliz com as horas no computador, na poltrona com livro, ou olhando a paisagem, de onde me vem muita informação: aquela frase, aquela palavra, aquele personagem... ou simplesmente beleza. Os verdes mudando de nuance conforme o dia passa; os nevoeiros que deixam tudo mágico, do jeito que eu gosto. No Rio, até hoje meus amigos se espantam: "Essa gaúcha maluca gosta de dia com nevoeiro ou chuva!".
Também preciso simplificar o que ofereço à minha alma: reduzir o número de noticiosos a que assisto, fissurada desde sempre pelas loucuras (às vezes maravilhas) do mundo. Levar menos a sério algumas novidades médicas amadoríssimas ou prenúncios de mais desgraças, me interessar menos (de momento) pelas intrigas brasilienses e desastres do Congresso, que haveriam de me tirar o sono se os hospedasse por mais tempo e com mais atenção. A gente sempre pode se ajudar, se corrigir, se pegar no colo e se agradar um pouco, para não cultivar aquela extrema chatice que só resmunga, só se lamenta, só faz previsões das mais sombrias e, se desse, espantaria até a si mesmo do convívio cotidiano.
Mas eu lhes digo: não é fácil. Parece que a estrada está lamacenta demais, não se avança sem sujar o calçado. A irresponsabilidade geral está enorme, corrói a fímbria da alma; país e planeta andam adoentados, e é coisa feia. Nós, agarrados à casca desta terra, pobres cracas, precisamos nos dividir numa necessária esquizofrenia: metade atenta à chamada realidade, metade curtindo sonho, amores e beleza, que afinal ainda existem – e são produtos de extrema necessidade.