Andei em um atendimento de emergência semana passada (nada grave, tudo sob controle) e por isso vizinhei com gente improvável para a minha rotina. Balconistas e taxistas, médicos de saúde pública e os colegas que dão aulas noturnas em escola pública, eles encontram gente de outros mundos sociais regularmente, mas meu cotidiano me isola entre alunos de classes mais ou menos confortáveis, no âmbito geral da classe média – daí por que não convivo nem com ricos, nem com pobres, nem com iletrados. (Motivo também de eu desconfiar dos meus juízos sistematicamente, por sinal.)
Estou ali e uma senhora, com aspecto de cansada, enquanto é atendida diz, em voz alta, que quer chegar aos 80 anos. A enfermeira, atenciosa, diz que vai sim, e pergunta quantos anos a senhora já tem.
– Setenta e nove e meio! – diz, e ri com aquele riso ameno de quem já viu coisas nesta vida.
Em seguida entra seu marido, que me saúda, eu devolvo a gentileza e pergunto se está tudo bem.
– Não muito bem.
E se corrige, também com um ar maroto de gente experiente:
– Já foi pior, né, vizinho?
E sem me dar muito tempo prossegue:
– Quando eu era pequeno, tinha que rachar lenha de manhã cedo pra mãe fazer comida, não existia geladeira, eu tinha que caminhar léguas pra ir a qualquer parte... Hoje, eu quase nem caminho: vou só de ônibus, e depois duas quadras e já estou em casa. O senhor também?
Fiquei sem saber se dizia que só vou de carro, e apenas sorri.
O fatalismo e o conformismo característicos da gente simples, e dos doentes já velhinhos, se combina aqui com um tanto de sabedoria. A vida foi mais difícil concretamente, claro.
O que diria este senhor se soubesse que um blogueiro foi levado à presença da autoridade policial, com autorização de um juiz (e interrogado sem a presença de seu advogado), a partir da terrível evidência de que havia curtido páginas de políticos de esquerda, pertencentes a partidos formalmente organizados (Folha de S. Paulo, 24/3, Poder)? Já foi pior?