Era uma quinta-feira à noite, estávamos eu e meus dois meninos buscando uma pizza pra comer em casa, e no bar de chopes cremosos ao lado da pizzaria tinha uma bandeira do Rio Grande do Sul pendurada.
Os dois meninos correndo, um monte de gente por ali, vivendo. Casais, amigos, locais cheios de gente, de vida. As coisas voltando ao normal. Porque, você sabe, vivemos a enchente há pouco tempo e ainda estamos sofrendo com o tamanho do desastre…
A invenção do pendão — lembra: “Salve lindo pendão da esperança, salve símbolo augusto da paz…” — é antiga, para marcar território, para mostrar de longe de qual lugar a embarcação é, para mostrar de que lado da batalha você deve estar. Para dizer que a Lua é sua, ou seja: um pedaço de pano, algo simplório para significar algo complexo. E ele pode unir ou dividir.
Naquela noite senti união, unidade. Aquele retângulo ali, parado, em cima, certamente foi colocado pelos donos do estabelecimento para indicar “seguimos, estamos aqui apesar de tudo, e estamos aqui porque juntos lutamos, com a ajuda de muita gente…”.
Tragédias são terríveis. Mas renascer delas dá orgulho, pertencimento e robustez. Só sentimentos e qualidades de respeito. Ninguém ao certo sabe o significado das cores da bandeira gaúcha. Ninguém sabe ao certo o verdadeiro criador — uns dizem que foi Bernardo Pires, outros, que foi José Mariano de Mattos. Todos sabem que foi durante a Revolução Farroupilha. Que o brasão ao centro só veio bem depois. Enfim, o símbolo é claro: é a bandeira do Rio Grande do Sul.
Em 1869, o escritor francês Gustave Flaubert mandou uma carta para a amiga George Sand. E nela escreveu sobre bandeiras, cada vez mais símbolos nacionais: “Estão tão manchadas de barro e sangue que deveriam desaparecer de vez”.
É, Flaubert, mais de 150 anos depois, sangue e barro se transformaram em metáforas, nessa ordem. Gaúchos e brasileiros deram sangue para recuperar o Rio Grande do Sul. O barro foi o símbolo da maior enchente de todos os tempos em solo gaudério e essa bandeira aqui, suja de lama, é um dos marcos de que a gente pode renascer de eventos catastróficos como o de maio de 2024.