Estreante na Série D, o Esportivo está a dois mata-matas de, enfim, ganhar o prêmio de um calendário de ano inteiro. O desafio é gigantesco fora e dentro de campo. Fora porque se trata de um esforço hercúleo para disputar, com recursos próprios e portões fechados, uma competição que não oferece cotas, apenas ajuda com hospedagem e transporte.
Dentro de campo, o desafio é superar a Ferroviária, treinada por Elano e dona da melhor campanha da competição e, também, do maior orçamento, bancado por investidores. A coluna conversou com o técnico Rogério Zimmermann, 56 anos e dono dois de acessos com o Brasil e que fez desse Esportivo a surpresa na fase quente da Série D.
Como se faz para construir um time competitivo em tão pouco tempo?
Tentando resumir, o Esportivo ganhou essa vaga na Série D com o título do Interior de 2020. Mesmo com ela garantida, depois do Gauchão 2021 (foi rebaixado) não havia a certeza de que disputaria a competição nacional. A Série D é custosa para os clubes, só sai dinheiro, não há verba. A CBF paga o hotel e as passagens, de ônibus ou avião. Não há cota como no Gauchão. O presidente, quando consultou São Luiz e Pelotas, que disputaram a Série D em 2020, ouviu que o gasto é de cerca de R$ 1 milhão. Como o clube tinha apenas a receita de um jogo da Copa do Brasil, em que caiu para o Remo, a tendência era de não participar.
Como se deu essa definição e a preparação para a competição?
Quando acabou o Gauchão, creio que a cidade, as pessoas daqui e conselheiros abraçaram a ideia. Houve arrecadação de mais algum valor e se decidiu pela participação. Resolveram em cima da hora. Iniciamos a competição com poucos atletas, na semana da estreia ainda estava chegando jogador. Nos sete jogos do turno, o time ainda estava em formação. Foi difícil. Haviam chegado os atletas, mas não deu para fazer pré-temporada e, como não havia uma base do Gauchão, começamos praticamente do zero. Ou seja, não tínhamos nenhum dos três itens fundamentais para fazer o futebol: base, tempo e dinheiro.
A preparação e a montagem do time se deram, portanto, com a competição em andamento?
Sim, No primeiro turno, em sete partidas, fizemos seis pontos. No segundo, fizemos o dobro, o time estava mais encorpado, tínhamos um alicerce de sete jogos, a equipe vai crescendo, você vai ajustando-a. Percebia que dava para classificar. Na reta final, vencemos três das últimas quatro partidas. Na última, fizemos 4 a 1 e suprimos a necessidade de saldo que tínhamos. Fomos crescendo ao longo da disputa. Tanto é que eliminamos o Santo André lá, depois de perder por 1 a 0 na ida em Bento.
O clube não manteve ninguém do Gauchão?
Não tinha ninguém. Como não havia certeza de participar da Série D, o clube não fez contratos longos. Foram assinados só para o Gauchão. Terminou o Gauchão, estava zerado. Quando o presidente me procurou em Porto Alegre e nos reunimos, ele deixou clara toda a situação. Falei com quatro jogadores que haviam terminado o Gauchão aqui, o Lucas Serafini, o Rafael Dumas, o Juninho Tardelli e o Matheus Norton, e eles toparam voltar. Os outros foram chegando. Como foi em cima da hora, não havia tantos jogadores à disposição no mercado. Há a concorrência de clubes das outras séries. Trouxemos o Chicão, que havia estado comigo no acesso do Brasil-Pel, por exemplo. Outro que pegamos foi o Batista, que jogou no Grêmio e estava na reserva no Marcílio Dias. Buscamos jogadores que estavam em baixa, por um valor menor, mas com potencial técnico. O calendário, com jogos apenas no fim de semana, ajudou para que esses jogadores, que têm qualidade, crescessem com o dia a dia de trabalho.
Qual a folha do clube hoje?
Eu não saberia falar do valor total do custo do futebol. Mas digo o que já ouvi o presidente (Laudir Picolli) falar em entrevista. Seria algo próximo de R$ 70 mil mensais. Esses dias falei com colegas teus, em entrevista, e alertei: não peguem esse nosso caso como exemplo. Não tentem fazer isso de novo. Estamos aqui com uma boa estrutura, o clube oferece ótimas condições, paga em dia e temos uma comissão técnica experiente. Temos chance menor de passar de fase, a Ferroviária é dona da melhor campanha. Perdeu um jogo em 16 e sofreu só cinco gols. Mesmo que não passemos, a campanha foi boa. Mas essa não é a receita de fazer futebol. São milagres que vamos fazendo.
O que falar dessa Ferroviária? É possível surpreender?
Vamos um adversário que tem investimento alto, pelo que me disseram teriam investidores lá, injetando recursos. O Elano é o técnico, tem experiência, apesar de jovem. Em 16 partidas, eles levaram cinco gols, têm a melhor campanha. Será difícil, mas para isso estamos aqui.
O Esportivo, embora tenha caído no Gauchão, está numa região com grandes empresas, destino turístico e com alta circulação de dinheiro. O clube poderia ser um garoto-propaganda forte para a cidade.
Chamamos o clube de Esportivo, mas o nome dele é Bento Gonçalves. Ou seja, levaria para o Brasil o nome da cidade. A estrutura é muito boa. A Montanha dos Vinhedos é um complexo, tem sala de musculação, espaço para a base morar, refeitório, lavanderia, há um gramado suplementar anexo ao estádio. A cidade é ótima, com qualidade de vida. O clube paga em dia, o presidente Laudir é diferenciado, tem uma visão empresarial, foi presidente do Centro da Indústria e Comércio (CIC). Tudo isso ajuda bastante nessa nossa construção da equipe. O Esportivo era para estar em outro patamar, pensando em jogar uma série do Brasileirão há mais tempo.
Para encerrar, você disputou as três Séries. A quarta divisão é mais dura de ser jogada?
Sim, a Série D é a mais difícil. São 64 times e sobem quatro. Para chegar ao acesso, você passa por três mata-matas. Isso depois da fase de grupos, com catarinenses, gaúchos e paranaenses. Quando subi com o Brasil, em 2014, era dois mata-matas apenas, eliminamos o Operário-MT e o Brasiliense. O fundamental é que o Esportivo está na briga, participando. Temos de valorizar o esforço desses dirigentes que se dispõem a jogar a Série D. Essa é uma competição em que ou tu fica entre os quatro ou está fora no próximo ano. No caso do Esportivo, por exemplo. Se não subir agora, a perspectiva de disputá-la outra vez é só em 2024, se tudo der certo.