James Freitas tem duas décadas de carreira. Isso, aliado à formação em educação física pela UFRGS trouxe ao auxiliar técnico de Roger Machado, no Grêmio e no Atlético-MG, e Mano Menezes, no Cruzeiro, o estofo para fazer um alerta aos torcedores: quando o futebol voltar, é bom que se preparem para um jogo mais lento e cadenciado.
Mais do que isso, sem aquela mecânica a qual estavam acostumados até 15 de março, quando a bola parou e o mundo ficou de pernas para o ar aqui nos trópicos. James comandou o Atlético-MG justamente até março.
Quando Jorge Sampaoli chegou, com cinco profissionais de sua confiança para sua comissão técnica, o gaúcho tomou o caminho de volta para Porto Alegre. Por telefone, ele conversou com a coluna.
Como driblar as limitações de contato para aproximar os treinos destes dias de pandemia a algo próximo da exigência do futebol?
Pelo que tenho visto de como os treinos estão sendo conduzidos, ali na frente teremos de usar atividades de confronto, para que readquiram o movimento do jogo como forma de readaptação. Isso precisará ser feito de forma paulatina, primeiro três contra três, depois cinco contra cinco. Isso até chegar ao trabalho de dez contra dez. Não tem como fugir disso. Se não formos por aí, será complicado de os treinadores passarem a sua visão e como querem que a equipe jogue. Na verdade, tenho dúvidas de como poderemos evoluir nos treinos em função dos protocolos de saúde.
O quanto os treinos quase individualizados atrapalham a evolução de um jogador?
Todo jogador tem o seu repertório na memória, movimentos que desenvolveu ao longo do tempo, situações táticas pelas quais passou. Isso está arquivado, está no "winchester" deles. Trazem sempre com eles. Mas há situações que sempre mudam conforme demandas que o técnico estabelece para a equipe. Algumas delas, se não forem treinadas no dia a dia, fica complicado de serem reproduzidas no jogo. Se o trabalho não for conduzido de forma habitual, as equipes terão dificuldades para absorver a ideia que os técnicos querem. Reproduzir aquilo que é ideia do treinador será um processo difícil.
A parte técnica do atleta ficará muito afetada com esses treinos em pequenos grupos que se seguiram à parada de 45 dias?
O aspecto técnico vai acontecer, na média, de forma mais lenta à medida em que não se tem, no treino, a simulação do ambiente de jogo, propriamente dito. O ambiente do jogo, com todas as suas variáveis faz com que o atleta desenvolva as habilidades, se adapte ao que o jogo exige. Isso está relacionado com as questões técnicas, ja que ali o atleta é submetido à exigência de pressão, de espaço, de tempo de execução. Se não conseguir reproduzir isso no dia a dia, o prejuízo será grande na hora do jogo. O atleta não terá a mesma velocidade de resolução.
Quanto tempo levaria para os jogadores adquirirem o estágio técnico que tinham no momento da parada das competições?
Para adquirir o que já tinham até a parada, será necessário um tempo maior, pelo que tenho visto nos protocolos de treinos de agora. Não acho que se consiga de forma tão rápida o nível que estávamos lá em março. Numa situação normal aqui no Brasil, a pré-temporada tem 21 dias, e os jogadores só atingem um bom nível lá pela quinta ou sexta rodada dos Estaduais. Com essa parada de 50 dias, mais a retomada com treinos em pequenos grupos, levará mais tempo do que isso para atingir o nível em que estávamos quando tudo parou.
Que tipo de trabalho será necessário para apressar essa recuperação técnica dos atletas?
Vai ter de se usar muito o treino em campo reduzido, não haverá como fugir disso para aproximar o atleta de algumas realidades do jogo. Além do treino tático individual de 11 conta zero, que é aquele em que se coloca apenas um time em campo (para treinar movimentação).
O quanto afeta o estado atlético uma parada de 45 dias?
Tem uma fase que gosto de usar sempre: "O atleta de futebol e uma máquina de fazer exercícios". O nível de exigência pelo qual passam esses caras é alto de mais. Será preciso levar em conta que ficaram 45 dias confinados. Por mais que um jogador tenha boa estrutura em sua casa, o desafio do treino, o ambiente criado para que ele atenda determinadas demandas, isso tudo faz muita falta. A gente não tem ideia do quanto os atletas são exigidos numa sessão de treinos. No Atlético-MG, chegamos a fazer na pré-temporada seis quilômetros em treinos, boa parte em alta intensidade, e repetir à tarde. E, no dia seguinte, eles estavam lá para repetir tudo. Isso no terceiro, quarto dia da pré-temporada. O nível de exigência e estresse nos treinos é muito alto.
O futebol que veremos na retomada será diferente?
Na velocidade e na intensidade as quais estávamos acostumados, não. O jogo será mais lento, com mais espaços. O torcedor terá de se acostumar com um nível diferente, com circulação de atletas mais lenta, sem aqueles picos de velocidade a todo o momento.
Sem contar que o Brasileirão entrará janeiro e fevereiro, com jogos no alto do verão.
Imagina em Porto Alegre com temperatura próxima dos 40ºC e umidade alta. Talvez tenhamos de ter alteração em horário dos jogos. Entrar em campo no meio da tarde ficará comprometido. E Europa tem uma intensidade maior, também, por que jogam numa temperatura mais amena. Penso que as 38 rodadas no Brasileirão seja uma dificuldade a ser discutida.