O Inter definiu na terça-feira (27) José Aquino Flôres de Camargo como presidente do Conselho Deliberativo. Mais do que o fato de a chapa ser de consenso, passo importante para acalmar o ambiente político no Beira-Rio, registre-se o momento histórico da foto acima. Em 109 anos, o clube terá pela primeira vez uma mulher na mesa do Conselho. Aliás, duas. Lenize dos Santos Doval, veterinária, 55 anos, e Luciana Paulo Gomes, engenheira civil e professora universitária, 54 anos, ocuparão os cargos de primeira e segunda secretárias. A coluna conversou com elas. Confira.
O que representa duas mulheres ocuparem, pela primeira vez na história do Inter, um lugar na Mesa do Conselho?
Lenize – Uma conquista bem considerável. Até o final do século passado, era inconcebível a presença de mulheres em estádios. Ganhamos o espaço neles, e o Inter é clube brasileiro com o maior número de sócias. Aos poucos, rompemos barreiras e chegamos ao Conselho. Agora, fechamos com chave de ouro, ao sermos eleitas para a mesa diretora. O mais importante nisso tudo é ser voz ouvida na luta por melhorias no teu clube, no teu time do coração.
Luciana – Particularmente, não dou tanta importância para a questão de gênero. Agora, histórica e politicamente, é muito importante. Vivemos em um ambiente por si só masculino. Na verdade, essa é uma luta diária em várias áreas. Essa diferença entre mulheres e homens não deveria existir. Aqui no Inter, e vejo pelo Inove, meu movimento, mostramos, através da capacidade e do envolvimento, que somos capazes. Geralmente, as mulheres são mais organizadas, mais sérias (na execução das tarefas). É disso que estamos precisando (no clube), para apaziguar o Conselho, elevar o nível dos debates. Tivemos discussões pesadas. Com essa mesa mais plural, que tenhamos dois anos mais tranquilos. Este é um ano de revisão do estatuto, há um trabalho superimportante a ser feito. É preciso ter todos alinhados.
Como se deu a relação com o Inter?
Lenize – Tive muita influência do meu pai. Fui ao estádio algumas vezes, até 1976, quando ainda morava em Porto Alegre. Mas era outro tipo de público. Estive fora da cidade por muitos anos. Quando voltei, passei a ir ao Beira-Rio e virou um vício. Não falto a um jogo. Acompanhei toda a Série B. Fui até naquele jogo horroroso, contra o Boa, com sensação térmica de -5ºC. Você começa a ter conhecimento tático, a discutir futebol. Aliás, isso era assunto de homem, mas hoje você entra no meio deles e conversa de igual para igual. Minha trajetória política começou em 2018, no Povo do Clube. No final do ano, entrei no Conselho. E, agora, veio o convite para compor a Mesa.
Luciana – Estou no segundo mandato, é meu quinto ano no Conselho. Sempre fui colorada, de ir ao jogo com meu pai, desde pequena. Entrei no Inove em 2014, a convite do Luciano Davi, que é meu amigo. Fui para ver qual era e me envolvi com a política do clube.
Como analisa o avanço feminino no futebol?
Lenize – O futebol feminino ainda engatinha. Uma partida de futebol masculino tem um preço. No feminino, o ingresso é um quilo de alimento não perecível. Fora das quatro linhas, como espectadora, acho sensacional esse avanço. Há uma comentarista no SporTV (Ana Thaís Matos) que coloca no bolso todo o resto da bancada. Mas isso é um avanço que não é só desportivo. é geral. Ainda há muito para construir.
Luciana – O futebol feminino é um caminho que está só começando, e é sem volta. Fora de campo, temos boa parcela de mulheres que se senta tranquilamente com os homens e conversa de igual para igual sobre assuntos que vão desde a tática até a política do clube. A mulher não tem tanta essa coisa bruta da força. Com isso, leva essas discussões em um nível melhor. Isso ajude a equilibrar a necessidade que temos, em todos os setores, de conversar, de saber conviver com os diferentes. Não sinto que fui convidada para entrar nessa chapa aclamada por ser mulher, mas por ser profissional.
Em quanto tempo acredita que o Inter possa ter uma mulher presidente? Uma década?Lenize – Ainda temos de lutar muito. Em departamentos chaves nos clubes, temos mulheres no comando. Não vejo como impossível ter uma presidente do Conselho de Gestão no Inter.
Luciana – Creio que seja uma sucessão. O que temos no Inter é que caminhamos para um período mais de pacificação, de alternância ou mistura de movimentos. Devemos alternar lideranças, e algumas novas estão sendo criadas. Junto, as femininas. Acho que em 10 anos podemos ter, sim, uma presidente.