Até esta janela de transferências, você nunca havia ouvido falar do Pyramids F.C. Nem os egípcios. Nem ninguém, na verdade. O clube que levou o técnico Alberto Valentim, Keno, Carlos Eduardo, Ribamar e, por último, Rodriguinho, foi comprado em junho. Mais do que provocar uma pororoca no futebol jogado às margens do Rio Nilo, o Pyramids é uma cartada saudita pelo poder no mundo árabe.
Em junho, o bilionário saudita Turki al-Sheikh desembarcou em Assiut, a 400 quilômetros do Cairo, e comprou o Alassiouty Sport. O clube havia sido fundado em 2008 e emergira da segunda divisão egípcia na temporada 2016/2017. Nessa última, acabou com um honroso nono lugar na elite. Até aqui, nada de anormal no mundo do futebol, em que endinheirados compram clubes de futebol como se fossem seus brinquedos.
A questão é que Al-Sheikh é o presidente da Autoridade Geral Esportiva da Arábia Saudita, que corresponde ao Ministério do Esporte. Acumula também os cargos de presidente do Comitê Olímpico Saudita, da União das Associações Árabes de Futebol e da Federação Islâmica de Esportes. Na Copa da Rússia, era a voz que falava aos jogadores da seleção.
O bilionário encabeça esses cargos todos desde setembro. Foi um dos primeiros escolhidos pelo príncipe Mohammed bin Salman, que assumiu a Arábia Saudita com a promessa de flexibilizar as leis no país e tornar a vida mais ocidentalizada. Uma de suas primeiras medidas, por exemplo, foi dar às mulheres o direito de abolir a abaya, a vestimenta preta que cobre o corpo, e também de abrir negócios e dirigir.
No âmbito esportivo, o príncipe recomendou a Al-Sheikh que abrisse os portões dos estádios ao público feminino. O futebol é uma das vitrinas dessa Arábia Saudita moderninha. Não foi de graça que uma revoada de jogadores e técnicos brasileiros aterrissaram no país entre abril e maio a peso de ouro. A novidade no caso do Pyramids é que a estratégia foi estendida além-fronteiras.
O Egito, sunita como os sauditas, é potência no mundo árabe, com seus 84,4 milhões de habitantes e aliado importante na disputa de poder na região. Na questão dos embargos ao Catar, por exemplo, está alinhado com a Arábia.
Os sauditas abriram o bolso para vitaminar seu clube egípcio. Só numa semana, Al-Shekh gastou US$ 33 milhões em jogadores – sendo US$ 20 milhões para comprar Keno, do Palmeiras, Carlos Eduardo, do Goiás, e Ribamar, do Atlético-PR. Arthur Caíke, da Chape, estava no pacote, mas, nesta sexta-feira, foi repassado ao Al-Shabab, da Arábia. Para levar Rodriguinho do Corinthians, investiu mais US$ 6 milhões. Ao todo, chegaram 19 jogadores. Alguns, estrelas locais do Zamalek, como o zagueiro Ali Gabr e o meia Hamed, titulares do Egito na Rússia. Quem estava no clube, limpou os armários.
O renomado técnico egípcio Hossam El Badry será o CEO e receberá 2,5 milhões de euros anuais. Para criar uma ideia de futebol e ser o diretor esportivo, os sauditas importaram o argentino Ricardo La Volpe. Técnico do México na Copa de 2006, La Volpe é um dos inspiradores de Pep Guardiola.
A primeira meta do clube é quebrar a hegemonia de Al-Ahly e Zamalek. Nos últimos 25 anos, eles só não ficaram com o título em um ano. Depois, os sauditas querem conquistar a África. Há quem diga que não seja apenas no âmbito esportivo. E essa, além de afagar o Egito com um supertime, seria uma das funções do Pyramids.