O clube do povo do Paraguai espera o Grêmio em sua luxuosa casa. Pode parecer paradoxal, mas é a realidade criada pela reestruturação pela qual passou o Cerro Porteño nos últimos nove anos.
Sob o comando do presidente Juan José Zapag, um empresário milionário do ramo de combustíveis, o clube mudou seu rumo. Ganhou um CT, onde forma jogadores para exportar, e um estádio novo, o La Nueva Olla, que desde agosto lota para ver a equipe.
O grande projeto de Zapag é fazer do Cerro um campeão da América e, assim, tirar do rival Olimpia, dono de três Libertadores, o status de único paraguaio campeão do continente. A seguir, em sete toques, conheça o rival gremista da noite desta terça-feira.
Por que Cerro Porteño?
Na história paraguaia, a Batalha do Cerro Porteño é apontada como propulsora da independência do país junto à coroa espanhola em maio de 1811. Em janeiro daquele ano, tropas enviadas por Buenos Aires se posicionaram em um pequeno morro arborizado na cidade de Paraguari, conhecido como Cerro Porteño.
Mais de mil soldados argentinos, treinados e com bons armamentos, ficartam ali à espera do momento correto para enfrentar a tropa de 6 mil paraguaios, que, embora em maior número, não contavam com os melhores armamentos nem eram preparados para combates.
A Argentina enviou um dos seus melhores comandantes. Manuel Belgrano, que havia lutado na Revolução de 1810 e foi o criador da bandeira argentina. A ação foi motivada pela negativa dos paraguaios de se tornarem independentes da Espanha e ficar sob o jugo de Buenos Aires. Os paraguaios venceram a batalha, apesar de seu comandante, Bernardo de Velasco, ter batido em retirada.
Velasco, um aliado da coroa espanhola, perdeu seu posto. Os paraguaios, empolgados com a vitória no Cerro Porteño, declarariam a independência quatro meses depois.
Mitad mas uno
O Cerro Porteño surgiu como um clube popular há 105 anos. Significava uma alternativa, por exemplo, aos elitizados Nacional e Olimpia, esse o mais velho clube do futebol paraguaio, fundado em 1902 e, por isso, chamado de "El decano". O endereço escolhido pelo Cerro atesta sua origem nas camadas menos favorecidas. O clube instalou-se no bairro "Obrero. O local foi rebatizado, entre os torcedores, como "A Capital do Sentimento".
Assim como acontece aqui e em qualquer outro lugar onde dois clubes dividem paixões, no Paraguai há uma grande discussão sobre quem tem a maior torcida. O Cerro não alonga a discussão. Em vez disso, lança à mesa seu slogan: "La mitad más uno".
Para os torcedores, "El Ciclón" está acima de todos. O apelido, aliás, vem de longa data. Surgiu depois da virada na final do Paraguaio de 1918. O time perdia por 2 a 0 para o Nacional até os 40 do segundo tempo. O jogo acabou 4 a 2, numa virada com efeito de um ciclone. Para estimular sua torcida, o Cerro colocou em seu perfil no Facebook um vídeo de boas-vindas ao Grêmio.
JJZ, el hombre
O Cerro Porteño, dizem os paraguaios, se divide entre antes de JJZ e depois de JJZ. Juan José Zapag, advogado e dono da distribuidora de combustíveis e de postos Copetrol, uma das principais do Paraguai. Para se ter ideia de seu poder financeiro, há alguns dias fez oferta à Petrobras para comprar o braço paraguaio da estatal brasileira — caso se confirme, será a maior empresa do ramo no país.
Zapag é filho de um presidente histórico do Cerro entre 1974 e 1982, que teve três mandatos no clube. Sua gestão, no entanto, supera a do pai. Ele está no quarto mandato, e conselheiros mudaram o regulamento para que engate o quinto. Desde que assumiu, em 2009, o Cerro ganhou um CT para a base, passou a exportar jogadores para o Exterior e, o maior troféu, ampliou e modernizou seu estádio.
O custo disso é alto, O clube tem dívida de US$ 30 milhões, sendo metade desse valor para Zapag. O que lhe confere regalias, claro. No ano passado, fez o casamento de sua filha no gramado do Nueva Olla. Uma estrutura foi montada no campo para receber os 2 mil convidados.
Base forte
Em 2014, o Cerro inaugurou os dois últimos módulos do Parque Azulgrana, um CT para as suas categorias de base e onde também treinaram os profissionais até a reinauguração da Nueva Olla. O local abriga campos, dormitórios e escola para a gurizada. Uma das exigências é de que saiam falando inglês. A ideia do Cerro é a mesma dos grandes brasileiros: formar e vender.
Os gêmeos Ángel e Óscar Romero saíram, respectivamente, para Corinthians e Racing (hoje, o último, está no Shanghai Shenhua, da China). O Real Madrid pagou 5 milhões de euros pelo atacante Sérgio Díaz em 2016. Cecílio Domínguez foi para o America-MEX por US$ milhões.
A última venda foi do meia Josué Colmán, 19 anos, que teve 70% dos direitos vendidos ao Orlando City por US$ 3,5 milhões. A fábrica segue a mil. Fernando Ovelar, 15 anos, já foi convocado pelo técnico Luis Zubeldía para treinar com os profissionais.
O jovem Zubeldía
O Cerro começou a temporada com o colombiano Leonel Álvarez como treinador — para quem não se lembra, aquele volante cabeludo da seleção na Copa de 1994 e do Nacional-COL campeão da América em 1989. Álvarez foi campeão paraguaio, mas caiu no início deste ano. O clube buscou o argentino Luis Zubeldía, que em seus 37 anos é um veterano como técnico.
Jogador da seleção sub-20 da Argentina de Jose Pekerman, Zubeldia sofreu com lesões no joelho. Três cirurgias e três anos depois, decidiu deixar os gramados. Começou na base do Lanús e, com 27 anos, assumiu o time principal e se tornou o mais jovem a comandar um time na primeira divisão argentina.
Em seu currículo, tem passagens por Racing-ARG, Barcelona-EQU, LDU, Santos Laguna-MEX, Independiente Medellín e Alavés, da Espanha, onde perdeu o emprego depois de quatro jogos.
Haedo Valdez
Nélson Haedo Valdez nem teve tempo de jogar no futebol paraguaio. Em 2001, saiu com 18 anos do pequeno Tembetary para o time B do Werder Bremen. Fez carreira na Europa e rodou por Espanha, Rússia e Grécia. Em 2016, fez escala no Seattle Sounders, onde conquistou a MLS, e desembarcou no Cerro em janeiro 2017, recebido por 10 mil torcedores.
Em campo, porém, os 34 anos do "El León Guaraní" pesaram. Fez 28 jogos e dois gols. Leonel Álvarez abriu a temporada colocando-o no grupo dos dispensáveis e treinando em separado. Foi seu erro.
Haedo Valdez é amigo particular do presidente Juan José Zapag. Usou as redes sociais para revelar sua tristeza com a situação. Alvarez caiu, e Valdez estreou em 2018 na semana passada. Deve estar na reserva contra o Grêmio.
La Nueva Olla
Construído nos anos 1970, o La Olla Azulgrana nunca foi, de fato, endereço do Cerro Porteño. Embora estivesse no coração do clube, o bairro Obrero. Quando assumiu em 2009, Juan José Zapag colocou como meta reformar e ampliar o estádio, fazendo dele o maior e mais moderno do Paraguai.
Foram 18 meses de obras e um custo de US$ 22 milhões — sendo US$ 1 milhão oriundos da venda de camarotes no lançamento do projeto. Parte do gramado foi plantada a partir de leivas que sobraram das arenas da Copa de 2014.
O La Nueva Olla, enfim, faz jus ao apelido (olla é uma panela de ferro usada na culinária paraguaia). Ali, o Cerro está invicto em jogos oficiais. Só perdeu para o Boca, na inauguração, em agosto. Desde lá, são 16 jogos (13 vitórias e três empates). A casa está sempre cheia. Para a partida contra o Grêmio, os 45 mil lugares devem estar ocupados.