Em sua sala com vista para o viaduto da BR-448 e para as pistas da Freeway, Romildo Bolzan Júnior atendeu à coluna. A conversa era para versar sobre sua ida à China e a entrada do Grêmio no maior mercado do mundo.
Só que o Grêmio respira Libertadores nestes dias. No caso do seu presidente, mais que acordar e dormir pensando no tri da América, ele vislumbra com a conquista colocar o clube em outro patamar. Nesta conversa, Romildo projeta que a vitória sobre o Lanús permitirá ao Grêmio cumprir o planejamento de alcançar, finalmente, a estabilidade financeira. Confira, a seguir, o nosso bate-papo.
O Grêmio está com 92 mil sócios. Acho que chega a 100 mil ainda em novembro.
O que representa para o Grêmio esta final?
O momento é histórico. Se o Grêmio conseguir vencer essas etapas (os dois jogos finais) e, por consequência, gerar a valorização dos seus jogadores e as receitas necessárias, como fidelização do quadro social, da marca, dos processos de varejo, de formação de jogadores, criaremos uma condição de sempre manter a estratégia de conservar um time de longo prazo. Isso vem a partir da valorização do ganho desportivo, para depois ter o ganho econômico. Se o Grêmio consolidar esse processo, se torna um clube muito consistente. Por isso, é histórico esse momento. Se formos campeões, poderemos criar o ambiente de, rapidamente, superar as dificuldades de caixa, de dia a dia, avançando no pagamento das questões financeiras, dos custos, de liquidar dívidas. Esse processo está todo vinculado ao sucesso no campo. Reputo esse como um dos momentos extremamente estratégicos para por em prática, a curto ou médio prazo, a consolidação de um processo de estabilização do clube.
Não estou dizendo que não vamos comprar a Arena. Veja bem, não estamos desistindo de adquirir a gestão dela. Mas estamos conseguindo sobreviver mesmo sem as rendas do estádio, e isso é fundamental.
Mesmo sem as receitas do estádio?
A renda do jogo passou a ser substituída por outras receitas. O incremento do quadro social criou boa condição. Contra o Vitória, em Caxias, sobraram R$ 400 mil ao Grêmio. É um dinheirinho querido, não? (risos). Se você joga quatro vezes por mês, com média de 20 mil, 30 mil pessoas de público, se sobra R$ 500 mil em cada um desses jogos, se torna um valor importante. Claro, abrir o Alfredo Jaconi é uma coisa, e a Arena, outra. Mas era o que acontecia no Olímpico. Ainda havia o dinheiro dos camarotes, da publicidade estática, do telão e de uma enormidade de outras coisas. O Grêmio também conseguiu superar muito essa situação (de não ter a renda do jogo). Neste ano, tivemos a receita de venda de jogadores. Nos anos anteriores, não vendemos porque decidimos priorizar o ganho desportivo e, enquanto isso, valorizar e preparar os jovens para depois ter o ganho financeiro.
Isso acontece mesmo enquanto não se cristaliza a compra da Arena.
Você busca outras formas (de receita). Embora a compra da Arena seja um processo meramente econômico, é um outro processo de clube. Não estou dizendo que não vamos comprar a Arena. Veja bem, não estamos desistindo de adquirir a gestão dela. Mas estamos conseguindo sobreviver mesmo sem as rendas do estádio, e isso é fundamental.
Se conseguirmos vencer a Libertadores e valorizar nossos jogadores, nos tornaremos autossustentáveis.
Além da receita com a venda do Walace e do Pedro Rocha, de onde vieram os recursos?
Do licenciamento de produtos, da loja, do quadro social, que está passando de R$ 6 milhões. O Grêmio está com 92 mil sócios. Acho que chega a 100 mil ainda em novembro. Quando chegamos aqui, eram 45 mil associados, a renda obtida era a metade.
Em junho de 2015, numa entrevista a ZH, o senhor disse que a meta era atingir o equilíbrio financeiro com o Grêmio em quatro anos.
Não avançamos mais rapidamente nisso, e o processo foi corrigido de maneira intuitiva no meio do caminho ao nos classificarmos para a Libertadores 2016. Tivemos de fazer investimentos maiores para jogar com competitividade. Em troca, tivemos a vantagem de poder dizer ao continente que o Grêmio estava vivo, competitivo. Por aí, chegamos ao momento atual. Na verdade, esse processo, embora os tempos foram abreviados, pode ser concluído e chegaremos a 2019 absolutamente estabilizados. É claro, isso se ganharmos a Libertadores, valorizarmos nossos jogadores e tivermos competência no diagnóstico do futebol, com o binômio competitividade e responsabilidade contínua no dia a dia. Se você conseguir ser sempre competitivo e sempre responsável, convergirá na liquidação de atrasados, que custam caro para o clube. Estabelecerá um padrão interessantíssimo, de clube autossustentável.
Adianta em um ano esse processo?
Sim, se conseguirmos vencer a Libertadores e valorizar nossos jogadores, nos tornaremos autossustentáveis.
Mas segue sendo necessário, portanto, vender jogadores?
Neste momento, sim. Só conseguiremos ser autossustentáveis se tirarmos as despesas financeiras. Não temos mais custo financeiro alto, ele continua em R$ 40 milhões anuais. Esse dinheiro vai pelo ralo. O que significa essa quantia para o Grêmio? Nossa folha é R$ 84 milhões anuais (R$ 7 milhões mensais). Portanto, é quase a metade da nossa folha anual.
O que são esses R$ 40 milhões em despesas financeiras?
São serviços da dívida, o que a gente paga para arrolar o custeio do clube. São dívidas que renegociamos, que vamos contraindo. O Grêmio não tem nada comprometido para 2019, mas até 2018 tem um comprometimento financeiro caro. Se liquidarmos essas dívidas, teremos receitas para compensar e, se zerarmos, teremos R$ 40 milhões para investir. É uma enorme diferença.
Essa equação deixa o clube muito robusto para investir.
O Grêmio fica autossustentável, ou seja, o que arrecadar dentro do mês tem condições de cobrir. O Grêmio arrecada, hoje, entre R$ 13 e R$ 15 milhões anuais. A equação perfeita seria no dia em que o quadro social custeasse 100% do departamento de futebol.
Se o Grêmio for campeão, se consolida um processo de virtuose na formação de atletas, de um conceito e de uma política de futebol.
Quanto falta para isso?
O Grêmio ainda paga, ao mês, R$ 1,7 mihão para o sócio entrar na Arena. Essa quantia sai do quadro social. O dia em que ele estiver bancando isso e o futebol, todas as demais receitas entrariam para sustentar e equilibrar o clube, para avançar nas infraestruturas. Qual nosso maior déficit hoje? É a estrutura. Aqui (diz apontando para a Arena) é novo. Nosso CT é novo também. Mas há a situação das categorias de base, o CT de Eldorado do Sul precisa ser reformulado para qualificar ainda mais nossa capacidade de formar jogadores.
Quando o CT de Eldorado virará um centro de formação completo?
Estamos captando R$ 8 milhões com as leis de incentivo ao esporte para as obras no CT. Se o Grêmio tivesse condições de fazê-las, daria um salto de qualidade enorme. Quando poderemos fazer isso? Quando sobrar no caixa algo como R$ 500 mil mensais. Aí, poderemos avançar rapidamente nas melhorias da infraestrutura.
Em resumo, presidente, tudo passa pela final da Libertadores. Esse jogo pode ser um marco para o clube.
Se o Grêmio for campeão, se consolida um processo de virtuose na formação de atletas, de um conceito e de uma política de futebol. Valorizaremos muitos nosso atletass e criaremos condição de austossustentação a partir dessas políticas de novas receitas, de fidelização da marca e fidelização do sócio. Pode ter certeza, não será aquela história de "Perdi, vazei", "Ganhei, permaneço". A questão é cultural também, de colocar para todos os torcedores que o clube se sustentará. Neste momento, podemos fidelizar o sócio e fazer com que tenha consciência de que, anualmente, contribui e gera receita. O objetivo é esse, de criar o dever do quadro social custear o futebol.