O lotação 350, da linha Santana, não circula mais em Porto Alegre. Saiu de operação logo após um dos casos policiais de maior repercussão na história da cidade, que acompanhou por 27 horas uma negociação na Avenida Osvaldo Aranha, no bairro Bom Fim. O auxiliar de cozinha João Sérgio dos Santos Pereira, então com 27 anos, fez nove reféns em 4 de janeiro de 2002, uma sexta-feira. Queria pagamento de resgate de R$ 500 mil e um helicóptero para fuga.
A Rádio Gaúcha fez a transmissão, sem interrupção, daquelas horas de tensão. O primeiro relato foi do colega Gustavo Azevedo, que gravava enquete para o programa Polêmica na Praça da Alfândega. Depois do observar movimentação policial na região, acompanhou tiroteio que assustou as pessoas nas ruas.
O auxiliar de cozinha, que não tinha antecedentes criminais, colocou capuz preto pouco depois de entrar no lotação na Avenida Osvaldo Aranha, sentido bairro-Centro. Ele carregava um revólver calibre 38 e dizia ter explosivos na cintura, rendendo o motorista e oito passageiros. Imaginava que ameaçando aquelas pessoas ganharia dinheiro para melhorar de vida.
No Centro, ordenou que o motorista mudasse o itinerário. Quando entrou na contramão da Rua Uruguai, um fiscal de trânsito tentou parar o veículo, mas o motorista faz gesto com a mão indicando ter uma pessoa armada. Por rádio, o agente avisou a Brigada Militar às 8h50. Em seguida, começou a perseguição, marcada por troca de tiros e colisão com um automóvel. Os policiais decidiram furar a tiros todos os pneus do lotação, que ainda cruzou lentamente pelo Túnel da Conceição até parar em frente ao Instituto de Educação Flores da Cunha, no sentido Centro-bairro da Avenida Osvaldo Aranha.
Lembro como se fosse hoje das primeiras informações no programa Gaúcha Atualidade, apresentado por Armindo Antônio Ranzolin. Eu, jovem repórter, fui enviado logo depois ao local do sequestro junto com outros colegas. A negociação foi longa. Todos temiam a repetição da tragédia do ônibus da linha 174 um ano e meio antes, quando uma refém morrera durante intervenção da polícia do Rio de Janeiro.
O negociador no lotação 350 era o experiente tenente-coronel Rodolfo Pacheco, então comandante do Batalhão de Operações Especiais da Brigada Militar. Conversava por telefone celular e trocava bilhetes com o sequestrador. Em troca de pneus novos para o lotação, cigarros, água e comida, quatro reféns foram libertados nas horas seguintes.
O momento mais tenso foi na madrugada do sábado, dia 5. O criminoso teve três surtos. Chegou a ir para a parte da frente do veículo e apontou a arma para a própria cabeça. Ele também pediu um carro-forte para fuga. Na manhã de sábado, com ajuda de familiares na negociação, Pereira ficou mais calmo. Se entregou às 12h05. Na cintura, não levava explosivos, mas pedaços de madeira enrolados com fita isolante. Saiu usando colete à prova de balas, acompanhado do secretário estadual da Segurança Pública, José Paulo Bisol. Os últimos cinco reféns foram soltos. Traumatizados, mas sem ferimentos.
O auxiliar de cozinha foi condenado, meses depois, a 14 anos de prisão, mas era considerado semi-imputável devido aos transtornos mentais. A prisão foi substituída pela internação no Instituto Psiquiátrico Forense.